Sunday, October 05, 2008

A Religiosidade em Vergílio Ferreira

Notas tiradas de um Conferência
Procurar Deus, a Fé e a religiosidade nas 22 obras de ficção, nos 12 livros de ensaio e 11 diários de Vergílio Ferreira, será obra homérica. Será contudo acto legitimado por um conjunto de razões, entre as quais temos os próprios termos definidos pelo autor no que concerne ao invisível.
Estará, de resto, na linha dos teólogos do século XX que acharam normal interrogar a literatura para nela encontrarem um testemunho sobre a fé e sobre a descrença, sobre o significado da existência do Homem e de Deus, ou sobre a ausência divina.

Parte da vastíssima bibliografia de Vergílio Ferreira continua, também por isso, a ser impar, na procura da luz e da beleza, obra de epifanias sem obsessões ideológicas (do ponto de vista das ideias políticas ) como primeiro neo-realista, e a seguir pelo rigor e originalidade com que na história da literatura portuguesa da segunda metade do Século XX, inscreveu a metafísica.
Assim, é sempre com alguma frequência que se liga a palavra romance à palavra problema, «romance de problema», disseram alguns críticos, quando se trata de caracterizar a obra romanesca do nosso escritor.

A natureza dos circunstancialismos em que se encaixam as suas personagens, a natureza do conteúdo, do carácter, do temperamento, do comprometimento, das necessidades e das grandes motivações das mesmas, leva-as a um permanente questionar.
A verdade é que, quando se procura respostas exclusivamente humanas sem Deus no plano para a vida diária, a vida com preocupações existenciais, o acto de perguntar no ser humano começa por uma escala de valores com grandes esperanças que desemboca na frustração, uma das personagens-chave do romance vergiliano afirma que Deus lhe interessou como ponto de partida e não como meta.
No narrador-autor do romance APARIÇÃO será aí que indagaremos da religiosidade vergiliana, embora por entreposta entidade ficcional como seja a personagem-sujeito na primeira pessoa.
Na verdade, Alberto, o protagonista-narrador, não se distancia da sua narração, como compete de resto a um narrador que estabelece a trama, a intriga da sua própria história. Diria que Alberto Soares se criou a si próprio como personagem, a partir das várias aparições que desde logo lhe conseguimos apontar, desde a primeira página numa espécie de «corrente de consciência», ou monólogo interior:
- A Aparição das coisas, a tomada de consciência dos objectos,
- A Aparição do «nous», do pensamento, das ideias,
- A Aparição ontológica do Ser,
- A Aparição de si a si próprio, a epifania do Eu,
- A Aparição do humano contra o divino,
- A Aparição do absurdo da morte. («A iluminação da vida perante a evidência da morte»)
E no culminar de todas estas "aparições" acabou por afirmar que «Deus se me gastou». Ora nós sabemos que ao colocar Deus como problema e não como solução, essencial, é o Homem que se gasta a si próprio.

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