Esta expressão, usa-a Bernard-Henry Levy no seu livro essencial O Século de
Sartre. Quis dizer-nos que a França foi essa poça, durante e após o Holocausto e
Auschwitz, em relação aos seus judeus, e que o filósofo Jean-Paul Sartre meteu
os pés nessa «poça» para a denunciar.
Ainda hoje é preciso confrontarmos
a nossa consciência cristã perante o que se designa por anti-semitismo. É que a
história não nos põe de lado no que concerne a essa interpelação. Não foi só
depois de Auschwitz que a poesia se tornou impossível, no dizer de Adorno, a
nossa posição de cristãos evangélicos também, diante do que se designou e
continua a chamar-se, com menos estrondo, é certo, «o problema
judaico».
Mas há uma «questão judaica»? No século XXI? Sartre definiu-a
em 1944, ainda se silenciava os nomes dos Campos de Extermínio nazi, e depois
perante a hipocrisia dos franceses e até de alguns autores católicos,
existencialistas cristãos, como Gabriel Marcel.
A questão judaica, que
integra o que desde o século XIX se passou a chamar anti-semitismo, está a
julgamento na história entre dois lexemas: aquele anti- e o
racismo.
Racismo é, parafraseando Freud, «o ódio ao outro»; mas é um ódio
à diferença visível: é negro, é branco, é cigano, é pobre, etc. O anti-semitismo
não deixa de ser neste sentido um ódio à diferença, o ódio pelo outro por causa
da diferença invisível, imperceptível.
Os judeus eram essa diferença, tinham
a marca no rosto invisível, dizia-se que podiam corromper o mundo, secretamente.
E se alguma literatura reflectiu isso com frases como «Weiss era mesmo alguém
que trazia o destino estampado no rosto»( in A Pena Suspensa, de Sartre), a
religião sobretudo acrescentou o maior contributo.
O facto conceptual
continuou pelos séculos fora, tal qual o escritor francês, falecido em 1980, o
escreveu no diálogo entre dois personagens judeus, no romance citado: «Mas o que
é um judeu? É um homem que os outros homens consideram judeu.»
Antes e depois
de Lutero.
A verdade é que Martinho Lutero não está isento de culpas
quanto a essa consideração, por razões conceptuais baseadas na religião,
designadamente num catolicismo medieval, que combatia alegadamente a cabala
judaica com outra cabala, considerando os judeus como uma raça oriunda do
Averno.
A historiografia do anti-semitismo não favorece o Grande
Reformador protestante. Infelizmente. As suas próprias declarações sobre o que
entendia ser o judeu, o comprometeram para o futuro.
No Julgamento de
Nuremberga, Julius Streicher, o director do perverso Der Sturmer, jornal nazi e
anti-semita, afirmou «que se tinha que ser levado a tribunal para responder pelo
seu contributo para o assassínio em massa dos judeus, então Lutero – o pai da
tradição anti-semita luterana, cuja anti-semitismo derivava da tradição
católica- deveria estar a seu lado.»
Cartazes anti-semitas da juventude
hitleriana, já em 1936 expunham publicamente como o alemão via o judeu, visão
estruturada numa imagem religiosa: «Nós jovens, avançamos alegremente virados
para o Sol…Com a nossa fé expulsamos o Diabo da Terra…» O Diabo, em maiúsculas,
era o Judeu.
Justificações ilógicas apontavam num só sentido: os judeus
crucificaram Jesus Cristo. O ódio religioso, do domínio da historiografia
religiosa, que se transformou depois em ódio científico e sistemático, nas
estruturas nazis da Solução Final, dirigido contra os judeus, era a resposta ao
ódio «assassino» dos mesmos contra Jesus.
Perante a História não podemos
deixar de pensar, no século XXI, que houve ( ainda há?)um anti-semitismo
cristão, e que o Cristianismo, no que respeita ao aniquilamento europeu dos
judeus na década de 40, ignorou teológica, social e humanitariamente, a raiz do
Amor divino, demonstrado nas próprias palavras sofredoras de Cristo, na cruz:
«Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem.»
Se Adorno afirmou que
depois de Auschwitz não podia escrever-se mais Poesia, há porém algumas coisas
que devem ser feitas pós-Holocausto. Para um Luteranismo puro tem que haver uma
revisão aos comentários da História do anti-semitismo, com um pedido de perdão
do Cristianismo, e também dos Evangélicos porque não basta aos mesmos fazerem
apenas excursões a Israel, para visitar os lugares santos. O lugar santo deve
começar no nosso interior, expurgando a nossa maneira de ver o outro, o Judeu.
2009