Thursday, October 21, 2010

A Morte do Homem


Chegamos ao inicio do séc. XXI e quase uma década passada, chegamos ao patamar de um processo civilizacional que tem culminado no triunfo da indiferença, na perda do gosto pela procura das razões últimas do viver e do morrer.
O triunfo da indiferença não é, porém, novo, e podemos bem seguir-lhe as pegadas num exercício de “analogia entis” até ao Século XIX, e a perda do gosto de razões derradeiras de viver bem podem radicar nesta simples conclusão de Sartre, por estranho que pareça, com origem em Nietzche, : “Se Deus morreu, o homem também morreu”.

Teríamos assim uma alegada conclusão, se Deus tivesse morrido, estariam irremediavelmente atacados os fundamentos da Existência do ser humano. A afirmação temática -a morte de Deus- descontextualizada na frase ”Deus está morto” é, deste modo, uma pretensão mais dos seguidores nitzcheanos que do próprio autor, de um tiro na Teologia, quando na verdade acaba por ser também um tiro na antropologia. Embora para o filósofo fosse um facto consumado e, dizem os seus críticos e biógrafos, uma opção tomada na juventude.

O nietzcheísmo fervente conduziu a alterações no pensamento do filósofo, onde havia apenas contradições entre a coerência e o caos, a declaração de uma coisa e o seu contrário.

Houve nas três primeiras décadas do século XX, após a morte do autor de O Anti-Cristo, em 1900, um reconhecimento internacional tardio e o aproveitamento dos nacionalismos exacerbados, do necessário “fauno louro”, do racismo, e o próprio Hitler a aproveitar-se de Nietzche em 1933 quando visitou o seu Museu-Arquivo, e depois o niilismo anti-religioso, proclamando por todo o lado em contexto e fora dele que “Deus Morreu”.

A razão da afirmação de Nietszche não é preciso ir buscá-la muito longe. Basta fazê-lo nas próprias palavras do filósofo e, já agora, do poeta que escreveu “Aqui sentado à espera, sim- de nada”, sendo aqui o tópos em que lhe surge Zaratustra. Mas leia-mo-lo:

Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência, §125.

Descontextualizar a frase inicial, é torná-la um axioma para a vida e para a morte. No fundo, o filósofo visualizava o Homem, acusando-O de ter as mãos sujas do sangue da divindade, sendo neste contexto que a mesma faz sentido, para o próprio, até no conjunto das contradições que o autor adoptou, porque iria assim criar o Super-Homem ou o tal “fauno louro” para civilizar a Europa, para fazer as vezes do Deus que o mesmo homem “matou”, no contexto da religião ou das religiões; se bem que a principal visada seja a Cristã.

Do ponto de vista da ética, sabemos que Deus não está morto, porque o homem também não, porque a existência é precedida da essência, e esta reside no Criador, e depois seria até uma impossibilidade para a legítima prossecução da Moral e do Bem, da Ética e da Justiça, da Liberdade no plano dos Direitos e Deveres da Humanidade, se Deus tivesse morrido.

O romancista da alma humana que foi Dostoievski viu bem essa impossibilidade, que conduziria ao Caos, quando escreveu” se Deus não existe então tudo é permitido”. Mas não.
E por quê? Porque a imago Dei - como o lugar mais recôndito da identidade humana na sua incontornável relação com o divino - desde a Criação do Homem está neste ( não o reflexo de uma entidade fantástica, um ser superior criado a partir do nosso ser, como defendia Engels), e nos impele às acções pautadas pela fraternidade e mesmo Amor ao Próximo, solidariedade e convivência humanas.

A imagem, a centelha vital de Deus no centro do ser humano. “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, não foi o que escreveu Pessoa ortónimo?

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