Sunday, January 07, 2018

LITERATURA DO HOLOCAUSTO: PRIMO LEVI E VIKTOR FRANKL


O homem que é fundido na massa, que num campo de concentração não deveria dar nas vistas dos guardas SS, não sobressair em nada, tornar-se apenas num incógnito para tentar sobreviver algum tempo, é a temática de dois livros coincidentes.
“Se Isto é Um Homem”, de Primo Levi, e, de Viktor Frankl, “Um psicólogo no campo de concentração”.
Não há grandes mudanças nem novidades nas análises psicológicas dos deportados e encarcerados nos campos de concentração nazis de Auschwitz-Birkenau que o psicólogo Victor Frankl e o escritor e poeta Primo Levi fizeram, a partir do mesmo destino nesses campos, porque eram judeus.
O elemento comum que já a filósofa judia Hanna Arendt identificara, é a despersonalização dos indíviduos, o tornar os judeus, sobretudo estes, matéria descartável, abaixo de sub-humanos se cabe aqui o pleonasmo.

Um dos aspectos que Viktor Frankl evidencia no seu livro, no que concerne à despersonalização do indíviduo, é, por exemplo, o facto da nudez. É a primeira realidade dos prisioneiros que chegavam ao campo e antes de entrarem para um suposto duche nas câmaras de gás, o que significava não apenas “o não ter nada no corpo”, mas também o homem e a mulher intuírem ou terem mesmo a consciência de que “possuíamos apenas a nossa existência literalmente nua”.

Vão no mesmo sentido as palavras de Primo Levi, no que diz respeito à consciência de que perante os carrascos já não se tem nem corpo nem alma, podendo dizer-se o mesmo total vazio dos algozes: “Aqui recebemos as primeiras pancadas: e o facto foi tão novo e insensato que não sentimos dor, nem no corpo nem na alma. Só um profundo espanto: como se pode bater num homem sem raiva?”
Na contundente narrativa de Levi, lemos do completo despojamento de personalidade do prisioneiro judeu nos primeiros momentos entre a aglomeração num gueto, a deportação, a chegada ao Campo, o despojamento da individualidade e do pensar: “Soubéramos, com alívio, do nosso destino. Auschwitz: um nome sem qualquer significado, naquela altura e para nós; mas certamente devia corresponder a um lugar desta Terra.”

Do outro lado, da parte dos executores do maléfico plano de Eichmann, a chamada Solução Final que deveria eliminar a judiaria europeia, a própria despersonalização era evidente, já nem seria ideológica, era apenas a prossecução do Mal. Quantos mais “números” de uma raça tido como inferior e sem direito a existir eliminassem, tanto melhor. Nenhum dos guardas dos campos de concentração nazis era um burocrata, era tão só manobrador de uma maquinaria de morte, limitava -se a cumprir ordens, sim, mas tinha com certeza prazer nos sofrimentos que estava a infligir aos prisioneiros judeus e não apenas a estes? Os guardas e os oficiais SS estavam presentes e eram os agentes do Mal, ao contrário da banalidade entrevista na atitude de Adolfo Eichmann, julgado em 1962 e enforcado. Eram apenas monstros.

Monstros com consciência do Mal, do prazer em praticar o mal com uma razão, talvez por isto Hanna Arendt, judia, foi detestada pelos judeus porque viu em Eichmann, durante o julgamento deste, um homem banal. Um homem- nada.
Em Auschwitz, que é o cenário realíssimo de ambos os livros referidos, o ambiente era niilista. A vida humana estava reduzida ao Nada. Num lugar sustentado e representado pelo Nada.
Mas uma afirmação do filósofo alemão, Heidegger (1889-1976), não inibe esse Nada de responsabilidades: “Nada é sem razão”, escreveu em “Le principe de raizon” (Galimard, 1962).
Tudo tem uma razão para existir, nenhum efeito é espontâneo, tem sempre uma causa. Não foi o destino nem foram os deuses que fecharam para sempre num campo de concentração e extermínio judeus e outro género social de pessoas. O Prometeu, do grego Ésquilo, roubou aos deuses para auxiliar os homens, teve portanto uma causa para a razão do seu sofrimento, acorrentado a um penhasco, sofrendo tempestades e o fogo do sol ardente. Como em Auschwitz, as razões não tiveram sentido. Partiram de uma mentira, no que concerne aos judeus da Europa de Leste e Central até França. Alguém escreveu (o filósofo Wittengstein) que “a consciência de que se está a mentir é um poder ”. Foi isso que os SS exerceram em Auschwitz.
Primo Levi e Viktor Frankl narram não só o Mal, mas também não procuram nenhuma Razão, porque ela ali não tem sentido algum. E não o fazem sequer do ponto de vista filosófico, mas físico e psicológico.
Em ambos os livros há a sem razão de se morrer antes do tempo determinado, segundo o pensar humano, por exemplo no “Se isto é um homem”, Levi, escreve: ” Assim morreu Emília, que tinha três anos (ao desembarcar no Campo); porque aos alemães parecia evidente a necessidade histórica de matar os filhos dos Judeus”.
A imagem sem razão da morte estava sempre presente, até no simples facto “civilizado” do soldado SS perguntar às suas vítimas se não tinham dinheiro ou relógios para lhe dar, dado que elas “já não iriam precisar deles”.
Viktor Frankl tenta explanar este aspecto de um ponto de vista psicológico, usando esse instrumento para ver o que estava dentro da mente dos judeus. O autor propõe que a “ reacção do prisioneiro ao entrar num campo de concentração pressupõe um estado de ânimo anormal “, a propósito das reacções anormais das vítimas do Holocausto. Primeiro um “estado de choque”, que passa depois para ”uma relativa apatia” e, finalmente, “chega a uma espécie de morte interior”
As diferenças que se complementam entre os dois livros, residem em que no de Primo existe a despersonalização do individuo para a Morte, no de Frankl a despersonalização pela experiência do trabalho forçado, sem esperança, e que não livrava da Morte.

©

No comments: