Mergulhar na problemática das origens do homem, se por um lado é rebuscar o inocente, que a Bíblia revela antes da Queda, é, por outro, o confronto com a realidade do livre arbítrio, a liberdade da criatura humana poder escolher entre o Bem e o Mal.
Já o mergulho na mesma problemática nas obras trágicas de Sófocles- sobretudo no triângulo Sófocles-Édipo-Antígona - é, sem dúvida, o mergulho nas origens mitológicas do destino, que, segundo o autor grego, traça a vida do homem dominado pelos deuses, sem esperança.
O herói trágico grego tem que enfrentar um poder mítico sediado nos deuses, numa ideia de ética elevada sem redenção, o que é contrário à Graça de Deus revelada na Bíblia Sagrada e na Teologia Cristã.
Sófocles traça esse roteiro da desesperança, embora repleto de moralidade natural e lições de vida e de justiça, em quase todas as suas peças que chegaram até aos nossos dias.
As tragédias mais conhecidas e que continuam a impressionar a cultura ocidental, a arte e a estética dramáticas, a filosofia e, sobretudo, a ciência psicanalítica, são indubitavelmente Édipo Rei, Antígona e Electra.
Qualquer um destes monumentos da Literatura do Mundo, milenar e intemporal, da Antiguidade Clássica, traduzem aquela que era a visão de Sófocles, isto é, que o homem era um joguete nas mãos dos deuses, que o destino traçado lançava os homens, amarga e demolidoramente, na vida, sem possibilidades de perdão.
Por exemplo, o conceito ateniense, sófocliano, de destino personificado, fortuna , sina , num vocábulo grego moira, são disposições fatídicas, são alguma coisa assim como o determinismo, que somente poderiam ter lugar no mundo helénico.
Como sabemos, a Palavra de Deus não usa, conceptual e religiosamente, o termo Destino. Todavia quando utiliza, nas nossas versões, os termos Destino e, até, Fortuna ( Isaías,65,11), carrega os mesmos com a tonalidade das cores negra e cinzenta dos ídolos (os deuses Gade e Meni, sírios ), com os quais não pode haver comunhão, a tal ponto que a versão do Velho Testamento para a língua grega, a Septuaginta, lhes chama daímoni (demónio ou espírito do mal).
No entanto utiliza o verbo destinar ( fazer algo em favor de ), que tem a ver com a soberana vontade divina e, no mesmo plano, com a misericórdia e amor de Deus. O Apóstolo fundador da cultura cristã ocidental, escreveu aos tessalonicenses que Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante Jesus Cristo (I, 5,9),apesar da culpa. Esta asserção é universal, embora esteja aplicada em primeira mão aos crentes.
Em caso nenhum classicamente conhecido, nas tragédias de Édipo Rei ou de Antígona , para apenas citar estas duas obras-primas, a culpa tem redenção.
O modelo deveria ser assim, o próprio Aristóteles vê na primeira peça o seu ideal, isto é, o trânsito da felicidade para a infelicidade, o terminar no infortúnio, jamais o contrário, pelo menos conforme as suas regras estabelecidas em Poética .
O erro humano nos trágicos gregos, chamado hamartia, ( como também mais tarde no Novo Testamento) pagava-se caro e não tinha possibilidades nem de remissão nem de deixar de ser cometido nas acções iníquas, à luz da moral e das leis da Cidade. Édipo declara «os deuses detestam-me » e este é o tom do seu infortúnio, a razão de ser dos seus males predestinados.
«Que tempestade de terríveis desgraças derrubou o Édipo », declama o Coro, ao contrário do que se passa noutra tragédia, Antígona, do mesmo dramaturgo grego.
Nesta, a heroína Antígona sem vatícinio fatídico traçado à priori , quando se vê confrontada com a fatalidade, com o destino, revolta-se contra os desígnios, mais dos homens que dos deuses. Seja como for, Antígona enfrenta o destino; Édipo é apanhado no meio do turbilhão dos seus equívocos. Antígona arrisca revoltar-se - «Queres ficar do meu lado? Queres arriscar comigo? »- pergunta à sua irmã Isménia. Arriscar contra o quê? O destino escrito de que se desse sepultura condigna - dir-se-ia pré-cristã - ao seu irmão Polinices, estaria a desobedecer às leis do tirano Creonte e seria condenada à morte por tal acção de amor.
Seja como for, os dramas gregos retratavam o ser humano a meio caminho entre os fios que moviam como que uma marioneta, manobrada pelos deuses no seu presente, e o destino traçado pelos oráculos no passado. O protagonista humano, ou mesmo semi-deus, nas tragédias gregas, não tinham genericamente meio de se libertar.
Deuses, semi-deuses, humanos, não resolviam na tragédia grega nenhuma pendência entre si, que não fosse estruturada nas palavras e na vontade do oráculo, fosse numa realidade histórica remota - Édipo já vinha da ficção homérica-, que por sua vez já derivava da mitologia, fosse na metaforização do religioso.
Os seres humanos da maior parte das tragédias dos autores atenienses do Século V a.C, não poderiam renunciar a nada que estivesse lavrado nos autos do predeterminismo. A sua relação com o divino, era a relação com um deus-ex machina, com os numes de quem todos os acontecimentos dependiam. O equívoco e a desesperança faziam parte desta relação. Não obstante o valor do homem aos «olhos » das divindades ser evidente, o ser humano sofria, segundo o pensamento trágico dos gregos, de uma impossibildade congénita de encontrar a salvação, de vencer o mal, retratado na figura do Hades.
O herói trágico grego tem que enfrentar um poder mítico sediado nos deuses, numa ideia de ética elevada sem redenção, o que é contrário à Graça de Deus revelada na Bíblia Sagrada e na Teologia Cristã.
Sófocles traça esse roteiro da desesperança, embora repleto de moralidade natural e lições de vida e de justiça, em quase todas as suas peças que chegaram até aos nossos dias.
As tragédias mais conhecidas e que continuam a impressionar a cultura ocidental, a arte e a estética dramáticas, a filosofia e, sobretudo, a ciência psicanalítica, são indubitavelmente Édipo Rei, Antígona e Electra.
Qualquer um destes monumentos da Literatura do Mundo, milenar e intemporal, da Antiguidade Clássica, traduzem aquela que era a visão de Sófocles, isto é, que o homem era um joguete nas mãos dos deuses, que o destino traçado lançava os homens, amarga e demolidoramente, na vida, sem possibilidades de perdão.
Por exemplo, o conceito ateniense, sófocliano, de destino personificado, fortuna , sina , num vocábulo grego moira, são disposições fatídicas, são alguma coisa assim como o determinismo, que somente poderiam ter lugar no mundo helénico.
Como sabemos, a Palavra de Deus não usa, conceptual e religiosamente, o termo Destino. Todavia quando utiliza, nas nossas versões, os termos Destino e, até, Fortuna ( Isaías,65,11), carrega os mesmos com a tonalidade das cores negra e cinzenta dos ídolos (os deuses Gade e Meni, sírios ), com os quais não pode haver comunhão, a tal ponto que a versão do Velho Testamento para a língua grega, a Septuaginta, lhes chama daímoni (demónio ou espírito do mal).
No entanto utiliza o verbo destinar ( fazer algo em favor de ), que tem a ver com a soberana vontade divina e, no mesmo plano, com a misericórdia e amor de Deus. O Apóstolo fundador da cultura cristã ocidental, escreveu aos tessalonicenses que Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante Jesus Cristo (I, 5,9),apesar da culpa. Esta asserção é universal, embora esteja aplicada em primeira mão aos crentes.
Em caso nenhum classicamente conhecido, nas tragédias de Édipo Rei ou de Antígona , para apenas citar estas duas obras-primas, a culpa tem redenção.
O modelo deveria ser assim, o próprio Aristóteles vê na primeira peça o seu ideal, isto é, o trânsito da felicidade para a infelicidade, o terminar no infortúnio, jamais o contrário, pelo menos conforme as suas regras estabelecidas em Poética .
O erro humano nos trágicos gregos, chamado hamartia, ( como também mais tarde no Novo Testamento) pagava-se caro e não tinha possibilidades nem de remissão nem de deixar de ser cometido nas acções iníquas, à luz da moral e das leis da Cidade. Édipo declara «os deuses detestam-me » e este é o tom do seu infortúnio, a razão de ser dos seus males predestinados.
«Que tempestade de terríveis desgraças derrubou o Édipo », declama o Coro, ao contrário do que se passa noutra tragédia, Antígona, do mesmo dramaturgo grego.
Nesta, a heroína Antígona sem vatícinio fatídico traçado à priori , quando se vê confrontada com a fatalidade, com o destino, revolta-se contra os desígnios, mais dos homens que dos deuses. Seja como for, Antígona enfrenta o destino; Édipo é apanhado no meio do turbilhão dos seus equívocos. Antígona arrisca revoltar-se - «Queres ficar do meu lado? Queres arriscar comigo? »- pergunta à sua irmã Isménia. Arriscar contra o quê? O destino escrito de que se desse sepultura condigna - dir-se-ia pré-cristã - ao seu irmão Polinices, estaria a desobedecer às leis do tirano Creonte e seria condenada à morte por tal acção de amor.
Seja como for, os dramas gregos retratavam o ser humano a meio caminho entre os fios que moviam como que uma marioneta, manobrada pelos deuses no seu presente, e o destino traçado pelos oráculos no passado. O protagonista humano, ou mesmo semi-deus, nas tragédias gregas, não tinham genericamente meio de se libertar.
Deuses, semi-deuses, humanos, não resolviam na tragédia grega nenhuma pendência entre si, que não fosse estruturada nas palavras e na vontade do oráculo, fosse numa realidade histórica remota - Édipo já vinha da ficção homérica-, que por sua vez já derivava da mitologia, fosse na metaforização do religioso.
Os seres humanos da maior parte das tragédias dos autores atenienses do Século V a.C, não poderiam renunciar a nada que estivesse lavrado nos autos do predeterminismo. A sua relação com o divino, era a relação com um deus-ex machina, com os numes de quem todos os acontecimentos dependiam. O equívoco e a desesperança faziam parte desta relação. Não obstante o valor do homem aos «olhos » das divindades ser evidente, o ser humano sofria, segundo o pensamento trágico dos gregos, de uma impossibildade congénita de encontrar a salvação, de vencer o mal, retratado na figura do Hades.
1 comment:
Feliz reflexão, João Tomaz, sobre como os nossos Helenos olhavam a condição humana e o se confronto com a mensagem do Deus vivo e verdadeiro.
Em Eurípides, é ainda mais forte esse entendimento. Como escreves, "Os seres humanos da maior parte das tragédias dos autores atenienses do Século V a.C, não poderiam renunciar a nada que estivesse lavrado nos autos do predeterminismo.", mas precisamente neste autor somos quase induzidos a odiar os deuses tradicionais, ou pelo menos a virar-lhes as costas, ou pelo menos a não os afrontar, pois o seu carácter caprichoso aparece aí mais nítido, e afrontá-los de algum modo, no mínimo que seja desses caprichos faz incorrer reis e heróis em tremenda ira. Cf. As Bacantes. Eurípides, um iconoclasta da religião tradicional, que na tragédia não quebra com ela (pois está no cerne desta), mas que claramente a questiona com olhares já racionais. Ele usou mais do que ninguém esse recurso do "theos ek mechanes", do nume que tem de intervir para desfazer o nó da intriga trágica. Não sei se o abusou dele por falta de arte ou por deliberada inonoclastia de colocar em descrédito essas divindades.
Mas essa noção era mais antiga. Está presente em Homero. Pense-se no joguete Ulisses. E Heródoto, o historiador, resumia assim a forma como entendia a ascensão e quedas dos homens: "pfthaneron theion", a divindade inveja os homens que ultrapassam certos limites — de beleza, riqueza, poder, sabedoria, etc., coisas de que só deles achavam ser atributos.
O Deus revelado na Bíblia tem outro entendimento. Fez-se pequeno como o mesquinho homem para, retroactivamente, acedermos à sua condição e partilharmos da sua natureza.
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