- Este lanço da escada não leva a parte alguma - Jorge Temudo, arqueólogo, lembrou-se repentinamente que já lera um poema que começava assim.
Se calhar, bem vistas as coisas, a recordação do poema não era despropositada, perante as ruínas que naquele momento visitava, como complemento dos seus afazeres, em Kefar Nahum.
Quando pisou o chão do aeroporto de Tel Aviv e olhou para o recanto mais distante da vedação, pareceu-lhe que esse espaço e as ondas do calor se configuravam com um aquário, contendo nele alguns aviões de pequena envergadura, carros de serviço à pista e pessoas apressadas. Tudo parecia dançar, serpenteando acima do solo.
Antes, quando a porta do avião se abriu e lançou os passageiros e a ele também, no ar quente que se dirigia ao Mediterrâneo, vinha a reflectir em outras coisas, a pensar no seu trabalho que o levaria a um sítio arqueológico excelente, às ruínas de uma rua que os seus colegas israelenses tinham descoberto a leste do Aeroporto de Ben Gurion, os restos de uma cidade cananeia datados de há 5 mil anos.
-É a primeira vez que venho a Israel – disse Jorge Temudo a um passageiro como ele, que viajara no mesmo voo e que ia ao seu lado no minibus da El Al.
A declaração de circunstância nada teria de anormal, se Jorge não tivesse dito a seguir, e a conversa ficara por aí, que aquela viagem não tinha sido do seu inteiro agrado. No Aeroporto Internacional havia uma vigilância que beirava a histeria e a obsessão, carros e pessoas que chegavam eram examinados por guardas armados com mini-uzis, polícias à paisana patrulhavam o edifício e as zonas limítrofes do Aeroporto. A globalização da segurança anti-terrorismo.
-Preferiria ter ido ver Persépolis ou Pasárgada a estar aqui, porque estas ruínas não levam, de facto, a parte alguma – ia dizendo depois de se ter lembrado dos versos seguintes do poema.
-« Há anos que dorme / esta pedra, nada acordará / o interior dos quartos.» – Ou então ir rever o Taj Mahal, que quase toda a gente já sabe o que é, que é completo e volumoso - e riu com a sua própria graça, motivado certamente pela companhia agradável.
Considerava-se com muito boa memória, pelo menos para decorar poesia e lembrar-se de outras viagens que fizera.
- Mas a reconstituição da vida, quero dizer do quotidiano, que aqui se passou há vinte séculos, é que dá sentido às pedras na arqueologia – respondeu-lhe a colega do Departamento de Pré-História da Universidade de Jerusalém, que fazia parte da equipe.
Sheina Stern era uma jovem mulher nascida na mistura dum colonato de Gaza, nos anos 70, os seus olhos verdes e grandes funcionavam como dois sinais de alarme para quem, de preferência do sexo masculino, se detivesse a olhar, por tempo demasiado, aquele belo rosto em que o olhar tomava lugar preponderante de mistério e beleza.
Sheina estudara também arqueologia e aplicava-a num contexto de confirmação ou de negação, conforme os casos estudados do que a história de Israel continha de bíblico, embora as suas funções destacadas para aquele sitio onde se descobriram vestígios arqueológicos de uma cidade cananéia com 5 milénios, não implicasse, de modo nenhum, a teologia.
-Confio inteiramente nas pedras, no seu silêncio, no seu discurso silencioso – precisou Sheina.
As pedras não a forçavam a posicionar-se numa religião, qualquer que fosse.
-As pedras não têm crença religiosa, tanto servem a Iavé como a Mamon, mas mostram aquilo em que os homens acreditam- costumava dizer isso e repetiu-o ali.
Quando ouviu estas palavras, Jorge sentiu-se provocado no seu cepticismo e não pode evitar um ligeiro meneio da cabeça.
Sabia que as pedras, em arqueologia, sobretudo na Palestina, têm que ser acompanhadas da palavra escrita, histórica. São quase sempre materiais de cultura pré-histórica, mas também indígena. E foi isso que lhe respondeu.
-Mas, correcto, e a oralidade histórica? Aquilo que tem passado de boca para boca? – perguntou-lhe Sheina, enquanto se preparavam para abrir a porta do «Land Cruiser» e sair.
Jorge percebeu que não seria apenas sobre pedras que iriam divergir, mas isso era bom para os consensos científicos que teriam de afirmar.
(Continua)
Se calhar, bem vistas as coisas, a recordação do poema não era despropositada, perante as ruínas que naquele momento visitava, como complemento dos seus afazeres, em Kefar Nahum.
Quando pisou o chão do aeroporto de Tel Aviv e olhou para o recanto mais distante da vedação, pareceu-lhe que esse espaço e as ondas do calor se configuravam com um aquário, contendo nele alguns aviões de pequena envergadura, carros de serviço à pista e pessoas apressadas. Tudo parecia dançar, serpenteando acima do solo.
Antes, quando a porta do avião se abriu e lançou os passageiros e a ele também, no ar quente que se dirigia ao Mediterrâneo, vinha a reflectir em outras coisas, a pensar no seu trabalho que o levaria a um sítio arqueológico excelente, às ruínas de uma rua que os seus colegas israelenses tinham descoberto a leste do Aeroporto de Ben Gurion, os restos de uma cidade cananeia datados de há 5 mil anos.
-É a primeira vez que venho a Israel – disse Jorge Temudo a um passageiro como ele, que viajara no mesmo voo e que ia ao seu lado no minibus da El Al.
A declaração de circunstância nada teria de anormal, se Jorge não tivesse dito a seguir, e a conversa ficara por aí, que aquela viagem não tinha sido do seu inteiro agrado. No Aeroporto Internacional havia uma vigilância que beirava a histeria e a obsessão, carros e pessoas que chegavam eram examinados por guardas armados com mini-uzis, polícias à paisana patrulhavam o edifício e as zonas limítrofes do Aeroporto. A globalização da segurança anti-terrorismo.
-Preferiria ter ido ver Persépolis ou Pasárgada a estar aqui, porque estas ruínas não levam, de facto, a parte alguma – ia dizendo depois de se ter lembrado dos versos seguintes do poema.
-« Há anos que dorme / esta pedra, nada acordará / o interior dos quartos.» – Ou então ir rever o Taj Mahal, que quase toda a gente já sabe o que é, que é completo e volumoso - e riu com a sua própria graça, motivado certamente pela companhia agradável.
Considerava-se com muito boa memória, pelo menos para decorar poesia e lembrar-se de outras viagens que fizera.
- Mas a reconstituição da vida, quero dizer do quotidiano, que aqui se passou há vinte séculos, é que dá sentido às pedras na arqueologia – respondeu-lhe a colega do Departamento de Pré-História da Universidade de Jerusalém, que fazia parte da equipe.
Sheina Stern era uma jovem mulher nascida na mistura dum colonato de Gaza, nos anos 70, os seus olhos verdes e grandes funcionavam como dois sinais de alarme para quem, de preferência do sexo masculino, se detivesse a olhar, por tempo demasiado, aquele belo rosto em que o olhar tomava lugar preponderante de mistério e beleza.
Sheina estudara também arqueologia e aplicava-a num contexto de confirmação ou de negação, conforme os casos estudados do que a história de Israel continha de bíblico, embora as suas funções destacadas para aquele sitio onde se descobriram vestígios arqueológicos de uma cidade cananéia com 5 milénios, não implicasse, de modo nenhum, a teologia.
-Confio inteiramente nas pedras, no seu silêncio, no seu discurso silencioso – precisou Sheina.
As pedras não a forçavam a posicionar-se numa religião, qualquer que fosse.
-As pedras não têm crença religiosa, tanto servem a Iavé como a Mamon, mas mostram aquilo em que os homens acreditam- costumava dizer isso e repetiu-o ali.
Quando ouviu estas palavras, Jorge sentiu-se provocado no seu cepticismo e não pode evitar um ligeiro meneio da cabeça.
Sabia que as pedras, em arqueologia, sobretudo na Palestina, têm que ser acompanhadas da palavra escrita, histórica. São quase sempre materiais de cultura pré-histórica, mas também indígena. E foi isso que lhe respondeu.
-Mas, correcto, e a oralidade histórica? Aquilo que tem passado de boca para boca? – perguntou-lhe Sheina, enquanto se preparavam para abrir a porta do «Land Cruiser» e sair.
Jorge percebeu que não seria apenas sobre pedras que iriam divergir, mas isso era bom para os consensos científicos que teriam de afirmar.
(Continua)
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