Tuesday, September 26, 2006

Crítica Literária

NADA, NEM MESMO A CHUVA
Um texto de J.T.Parreira
(Análise crítica)
Maria José Limeira

Gostei muito desse texto “Nada, nem mesmo a chuva”, de J.T.Parreira, por causa das palavras simples que o autor utiliza para falar de coisas simples.
Quem poderia contestar as “pequenas gotas como as lágrimas que se movem dentro do coração”? Um mundo de coisas que este trecho exprime, de uma maneira tão singela e comovente... Todos entendem como se processa essa emoção, e é por isto que esse poema ganha o foro universal.
Vemos adiante as “mãos” das “mães” que “guardam as chaves das pequenas nuvens”. Que bonito, não?Falar em nuvens é olhar um céu nublado de onde desabam essas lágrimas-chuvas que o autor enfoca e, no final, abre-se a outras contemplações.
É um texto meditativo sobre os gestos que a Natureza esboça, com um narrador impessoal, que dá elegância ao discurso poético.Quando o domínio se fecha, as mãos se abrem. Muito bom!
(Maria José Limeira é escritora e doce jornalistademocrática de João Pessoa-PB)

NADA, NEM MESMO A CHUVA

Nada, nem mesmo a chuva
tem tão pequenas gotas
como as lágrimas que se movem
dentro do coração
E as pequenas mãos
que sobem pelo rosto
das mães? Ninguém
como elas tem a chave
para tão pequenas nuvens
Ninguém, nem mesmo o silêncio
tem tão pequenas mãos
para abrir
tão fechado domínio.

Sunday, September 24, 2006

A ovelha perdida

Pastor, onde está a ovelha tresmalhada
ferida como um pássaro
que caiu do ninho, que se ergue
num balido apertado entre os espinhos
a confusa ovelha que segue o luar
espargido no chão
na ilusão da água

Que pode fazer uma ovelha sem rebanho
que perdeu o norte ao céu
senão errar, que pode a simples
fazer sob as nuvens
que cruzam o sol, senão baixar
os seus olhos para a tristeza
sob o infinito breu

Envia o coração com os teus ombros
prontos a romperem com firmeza
pelos vales oblíquos, que esperas, Pastor,
o fim da noite larga? Não deixes
que a próxima manhã que espelha o sol
desça e acorde sequer uma janela
e sem rebanho encontre a tua ovelha.

12-04-2003

Sunday, September 17, 2006

No meio da citação e da lamentação: Ratzinger

Foto: The New York Times
No dia do Senhor, como um cristão comum, o Papa teve necessidade de se lamentar, afirmando mais perante os homens visíveis e os Media que do Deus invisível, «profunda tristeza» não por ter ofendido os muçulmanos, mas pela reacção destes ao seu discurso de professor. A atitude de Bento XVI, respondeu assim, no Vaticano, às críticas exacerbadas do Islão acerca das suas declarações do passado dia 12 na Aula Magna da Universidade de Regensburg. Com efeito, neste domingo o Papa germânico afirmou estar «profundamente triste» pela reacção encolerizada contra as suas recentes observações sobre o Islão, as quais vieram de um texto Medieval obscuro do imperador de Bizâncio e não representam a sua opinião pessoal.
A cadeia ABC News, ao referir-se às causas e efeitos que abalaram Vaticano e o Papa, neste final de semana, publicou declarações de um analista da militância islâmica egípcio, segundo as quais «as observações do Papa são mais perigosas do que os cartoons, porque vieram da mais importante autoridade do Cristianismo no mundo, ao contrário dos desenhos que vieram de um artista.»
Por isto, a homília dominical de Ratzinger ( do ponto de vista filosófico-religioso é impossível desunir Bento XVI de Joseph Ratzinger), começou por afirmar que ao mesmo tempo que se sentia grato pela experiência espiritual, pessoal e pastoral, vivida na Baviera, desejava acrescentar que estava profundamente triste pelas reacções ocorridas em alguns países por algumas palavras que dirigiu ao auditório da Universidade de Regensburg, as quais foram consideradas ofensivas da sensibilidade dos Muçulmanos.
A verdade é que ao citar esse obscuro texto da Idade Média caracterizou alguns ensinamentos do fundador do Islão, Maomé, como « maldade e desumanos». Com certeza, referia-se à Jihad e isso levantou uma torrente de raiva e de violentos protestos, como aqueles que se seguiram à publicação das caricaturas do Profeta. Joseph Ratzinger inflamou paixões e agravou os medos de uma nova onda de reacções anti-Ocidentais por parte dos muçulmanos. Teve razão? Esqueceu-se de ser Papa e falou o filósofo da Congregação para a Doutrina da Fé? Seja o que for que se responda, não se pode fugir da realidade objectiva do que vem escrito no Corão. E só a partir daí se pode sublinhar ou não as substantivações de «mal» ou «desumanidade» de alguns pontos fundamentais do Corão.
Com feito, na Sura 9, que trata de atitudes perante os «idólatras», está explicitamente escrito: « Matai os idólatras, onde quer que os encontreis e fazei-os prisioneiros e sitiai-os e ponde-vos à espera deles em todo o lugar de emboscada» e «combatei aqueles de entre o povo do livro(os judeus e cristãos) que não creem em Alá.»( 5 e 29).
Seja como for, este Papa tem a tendência para fazer declarações que fazem estremecer alicerces dentro da sua própria Igreja. Em 28 de Maio passado, em Auschwitz, Bento XVI ou Ratzinger(?), dando a impressão de não ter respostas para o extermínio dos judeus, perguntou «Onde estava Deus naqueles dias? Porque ficou Deus silencioso? Como pode Deus permitir este infindável massacre, este triunfo do mal?»
A forma retórica mais do que o conteúdo das perguntas, o que elas visavam numa orientação vertical, do mais profundo ao mais alto do pensamento humano sobre o Holocausto, correram mundo e houve quem pensasse que o alegado representante de Cristo na Terra estava a atirar para Deus as culpas da Shoah judaica do século XX.

Friday, September 15, 2006

Poesia em PoemHunter.Com

http://www.poemhunter.com/joão-tomaz-parreira/poet-115882/?or=10130
Podem ser lidos 14 poemas, alguns traduzidos para inglês, outros na língua de origem. 6 dos quais de inspiração evangélica.

Monday, September 11, 2006

O homem que salta

O SALTO

Deve ter sentido que voava
do alto da manhã

da janela debruçada
para os sonhos

a cabeça veloz
os braços serenos

para a tranquilidade

os pés firmes
no ar
sentia que voava

11-9-2006

Sunday, September 10, 2006

José

Estou num sonho deserto
debaixo da noite e do dia
no fundo do vento
A mão suja
tenta a saída
do fundo do poço
Mas o céu é um tecto
o céu espelha
só meu grito
sem que ninguém ouça.

Saturday, September 09, 2006

Conto: Uma Conversa Sobre Ruínas

- Este lanço da escada não leva a parte alguma - Jorge Temudo, arqueólogo, lembrou-se repentinamente que já lera um poema que começava assim.
Se calhar, bem vistas as coisas, a recordação do poema não era despropositada, perante as ruínas que naquele momento visitava, como complemento dos seus afazeres, em Kefar Nahum.
Quando pisou o chão do aeroporto de Tel Aviv e olhou para o recanto mais distante da vedação, pareceu-lhe que esse espaço e as ondas do calor se configuravam com um aquário, contendo nele alguns aviões de pequena envergadura, carros de serviço à pista e pessoas apressadas. Tudo parecia dançar, serpenteando acima do solo.
Antes, quando a porta do avião se abriu e lançou os passageiros e a ele também, no ar quente que se dirigia ao Mediterrâneo, vinha a reflectir em outras coisas, a pensar no seu trabalho que o levaria a um sítio arqueológico excelente, às ruínas de uma rua que os seus colegas israelenses tinham descoberto a leste do Aeroporto de Ben Gurion, os restos de uma cidade cananeia datados de há 5 mil anos.
-É a primeira vez que venho a Israel – disse Jorge Temudo a um passageiro como ele, que viajara no mesmo voo e que ia ao seu lado no minibus da El Al.
A declaração de circunstância nada teria de anormal, se Jorge não tivesse dito a seguir, e a conversa ficara por aí, que aquela viagem não tinha sido do seu inteiro agrado. No Aeroporto Internacional havia uma vigilância que beirava a histeria e a obsessão, carros e pessoas que chegavam eram examinados por guardas armados com mini-uzis, polícias à paisana patrulhavam o edifício e as zonas limítrofes do Aeroporto. A globalização da segurança anti-terrorismo.
-Preferiria ter ido ver Persépolis ou Pasárgada a estar aqui, porque estas ruínas não levam, de facto, a parte alguma – ia dizendo depois de se ter lembrado dos versos seguintes do poema.
-« Há anos que dorme / esta pedra, nada acordará / o interior dos quartos.» – Ou então ir rever o Taj Mahal, que quase toda a gente já sabe o que é, que é completo e volumoso - e riu com a sua própria graça, motivado certamente pela companhia agradável.
Considerava-se com muito boa memória, pelo menos para decorar poesia e lembrar-se de outras viagens que fizera.
- Mas a reconstituição da vida, quero dizer do quotidiano, que aqui se passou há vinte séculos, é que dá sentido às pedras na arqueologia – respondeu-lhe a colega do Departamento de Pré-História da Universidade de Jerusalém, que fazia parte da equipe.
Sheina Stern era uma jovem mulher nascida na mistura dum colonato de Gaza, nos anos 70, os seus olhos verdes e grandes funcionavam como dois sinais de alarme para quem, de preferência do sexo masculino, se detivesse a olhar, por tempo demasiado, aquele belo rosto em que o olhar tomava lugar preponderante de mistério e beleza.
Sheina estudara também arqueologia e aplicava-a num contexto de confirmação ou de negação, conforme os casos estudados do que a história de Israel continha de bíblico, embora as suas funções destacadas para aquele sitio onde se descobriram vestígios arqueológicos de uma cidade cananéia com 5 milénios, não implicasse, de modo nenhum, a teologia.
-Confio inteiramente nas pedras, no seu silêncio, no seu discurso silencioso – precisou Sheina.
As pedras não a forçavam a posicionar-se numa religião, qualquer que fosse.
-As pedras não têm crença religiosa, tanto servem a Iavé como a Mamon, mas mostram aquilo em que os homens acreditam- costumava dizer isso e repetiu-o ali.
Quando ouviu estas palavras, Jorge sentiu-se provocado no seu cepticismo e não pode evitar um ligeiro meneio da cabeça.
Sabia que as pedras, em arqueologia, sobretudo na Palestina, têm que ser acompanhadas da palavra escrita, histórica. São quase sempre materiais de cultura pré-histórica, mas também indígena. E foi isso que lhe respondeu.
-Mas, correcto, e a oralidade histórica? Aquilo que tem passado de boca para boca? – perguntou-lhe Sheina, enquanto se preparavam para abrir a porta do «Land Cruiser» e sair.
Jorge percebeu que não seria apenas sobre pedras que iriam divergir, mas isso era bom para os consensos científicos que teriam de afirmar.
(Continua)

Wednesday, September 06, 2006

No Primeiro Dia

«Há um ar de prodígio alguns minutos antes do sol-pôr»
Mário Dionísio

Houve um ar de prodígio alguns minutos antes
do primeiro olhar que Adão lançou ao seu redor
o ar de prodígio depois continuou
exalando um azul fundo
confundindo os horizontes
Já deitava as suas sombras o ocaso
apenas numa cor, a noite
abria entre as estrelas canais de ilusão
e os olhos descobrindo-se de manhã
do seu silêncio começavam
outro dia a solidão.

Friday, September 01, 2006

Uma pequena luz na bruma

Uma pequena luz serena
nítida, contida
num círculo claro,
ao fundo
deste tubo que é
a nossa dor redonda,
brilha, sobre o negrume
do abismo
salvamo-nos
pela firmeza dessa luz?
Quantos olhares
ainda teremos que gastar
até nossas retinas descansarem
na luz que não vacila,
brilha e ilumina?
Um pequeno espaço ao fundo
no extremo
da nossa agitação
no final para a serenidade.
Aí, onde tudo bate
nessa pequena luz ao fundo
que segura o nosso olhar.

20-7-2006