Tuesday, January 13, 2009

Todos fomos anti-semitas


«Jew», de Marc Chagall

Todos os domingos, os judeus eram atacados. Por assim dizer, cada domingo os sentimentos dos cristãos alemães eram irrigados com o ódio anti-semita.

Incompreensivelmente, os Soontagsblatter impressos entre 1918 e 1933, como semanários religiosos, foram «cultivando» dentro da piedade cristã o joío, com a ideia de que os judeus «eram os inimigos naturais da tradição cristã nacional».

O mundo, para o dizermos de um modo abstracto, foi (é ainda) quase todo anti-semita. Mitigando esta afirmação no que concerne a posições individuais, todos nós, de algum modo subjectiva ou objectivamente o fomos.

Partindo da forma profetizada do livro O Choque de Civilizações ( do recentemente falecido prof. Samuel Huntington, que preconizou este novo paradigma em 1996), a primeira e prevalecente «civlização», segundo a leitura do autor supracitado, foi sem dúvida a Ocidental iniciada no berço dos antigos gregos. Originária na Europa, a civilização ocidental é herdeira das civilizações clássicas grega e romana, que não foram propriamente íntimas do coração judaico.

O Ocidente com a Renascença recomeçara a instalar-se sobre todas as demais civilizações: latino-americana, islâmica, chinesa, hinduísta ou mesmo africana, etc. O Ocidente prevalecia também definido em torno de uma religião, o Cristianismo. O judaismo e os judeus estavam confinados às sinagogas e às judiarias, para não dizer da forma mais histórica possível, confinados aos guetos.

Do lado do Cristianismo, poderia ter havido uma exteriorização inefável de conforto para com os judeus, se a civilização ocidental dita cristã tivesse lido literalmente, sobretudo com sentido hermenêutico, com sentimento de afecto espiritual e humano, algumas das palavras inspiradas do Apóstolo Paulo sobre o posicionamento bíblico dos judeus. Do ponto de vista neo-testamentário e da História, o judeu foi responsável indirecto pela morte de Jesus, mas também foi beneficiário principalmente do facto de lhe terem sido confiados os oráculos de Deus – escreve Paulo na sua Carta aos Romanos.

As inquisições, sobretudo, misturaram a posição dos judeus perante a crucificação de Jesus com a sua natural aptidão para serem o povo da Aliança divina conferida no Sinai e de Moisés. Designadamente as Inquisições portuguesa e espanhola, constituiram-se um caso à parte na história geral da perseguição aos judeus– como escreve A.J.Saraiva em Inquisição e Cristãos- Novos. Ao juntarem o braço temporal-o Rei- com o braço espiritual- o Papa-, esqueceram que, «em teoria, a Igreja não podia obrigar a converter-se à Fé cristã os nascidos fora do seu grémio, como Judeus ou Muçulmanos», como afirma o prof.Saraiva, atitude que já antecipava um choque de civilizações nos séculos XV e XVI.

Hoje, é dado mais que adquirido que não existe Inquisição nem Santo Ofício, mas já as não havia nas primeiras décadas do século XX, no entanto as ideologias anti-culturais, isto é, políticas, souberam criar Auschwitz, subvertendo e desintegrando todos os valores e tudo o que era humanidade dentro da cabeça do homem europeu.
Persistem, porém, os preconceitos e, queira-se ou não se queira, há uma consciência latentemente anti-semita.

Na própria história da literatura contemporânea, este assunto não foi escamoteado. Basta ler «Focus» (1945), romance do dramaturgo Arthur Miller. «Um pouco acima dos seus olhos estava traçado com cuidado: Os judeus desencadearam a Guerra. E por baixo: Morte aos judeus».
Estava-se na América, em Nova Iorque. E a figura simbólica do judeu transformou-se no cidadão da nossa rua, acusado arbitrariamente de raça judaica, porque os óculos eram, alegadamente, denunciadores. O judeu parecia continuar a ser uma vítima da própria democracia.

in Diário de Aveiro, 12/1/2009

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