Friday, June 12, 2009

A Fé (e não só a Poesia ) depois de Auschwitz


O regresso judaico do cativeiro da Babilónia, para uma discussão meramente académica de historiadores, foi um evento apenas da sociologia e da política dos antigos impérios, ou quando muito a inclusão desse evento na história relegaria a profecia para plano secundário.

Mas o primeiro retorno a Jerusalém, a partir do acto benévolo de Ciro, foi a materialização da Fé. A consumação do fundamento e prova da fé nas profecia de Ezequiel e Daniel.

Contrariamente ao pensamento hegeliano, eventos cruciais da História do Mundo originaram-se também no cumprimento explícito de profecias conhecidas nas Sagradas Escrituras.
É um facto mais que óbvio a presença de Deus na História. Há mais de trinta anos sublinhei, em Arte e Mito, do prof. Ernesto Grassi, uma verdade que «Deus se manifesta no tempo e empresta à história localizada uma significação eterna» (1 ). E aí está a História do Judaismo, a partir do VT, para o confirmar.

Se esse regresso não tivesse ocorrido, não haveria História Judaica, nem teriam ocorrido as histórias de Cristãos e Árabes, e quem esta tese defende é o filósofo e rabi judeu Emil Fackenheim(1916-2003).

Esse autor explorou os novos horizontes que vieram abrir a relação entre o Holocausto, da primeira metade do século XX, e a Teologia judaica com milénios de existência, não apenas submetendo-a ao juízo do conjunto de Ideias filosóficas, mas também ao escrutínio da Profecia bíblica.
A História também deu o seu contributo, como se compreende, inestimável e incontornável. Os actos da humanidade realizam-se no terreno da contingência histórica e têm inevitavelmente uma narrativa.

A historicidade narrada no VT
Não é apenas a Fé que conclama sobre a história de Israel, sobre o povo judeu de um modo específico, a realidade também. Esta prova que a Fé teve razão, do ponto de vista dos eventos.
Fé e realidade, no âmbito da História. A Fé confirma-se como base do facto profético, a realidade como consequência do cumprimento desse facto.

A primeira deportação para a Babilónia sob o reinado de Nabucodonosor, teve a importância da profecia, infelizmente para os judeus, e teve a importância da própria «visita» do rei babilónico no acto da invasão, o que se reveste da valia da cidade santa independentemente de valorações religiosas. Foi um acto político e social, não um acto meramente tirânico, e tem nos Livros Sagrados de Reis e Crónicas a sua narratividade apropriada.
Esta, porém, assentou também na essência dos factos cometidos pelos próprios judeus, no que concerne ao seu desprezo pelas Palavras de Deus ( II Cr 36,14-16), na forma de «transgressões e abominações» para com o Senhor.

A história profética, portanto, cumpriu-se tanto no cativeiro como na libertação deste. Sabe-se, pela Bíblia e pela História Universal, que a proclamação de Ciro foi o passo fundamental para o regresso de Judá (II Cr 36,22-23). Passo não apenas para consolidar politicamente uma nação e restituí-la ao seu locus original, mas sobretudo para a consolidação do Culto ao Senhor, Deus dos Céus – como proclamou Ciro.
A obsessão das origens, que a tribo dos historiadores possui – como afirma Marc Bloch (2)-, porque precisam vitalmente dos «começos», deveria, no entanto, levar o homem contemporâneo a considerar o Cristianismo como uma religião histórica e Israel com uma História originada e estruturada nos Livros Sagrados.
Os judeus devem a Deus e à História. Compreenderão assim todas as suas vicissitudes e experiências e malogros, genocídios e perseguições, de que a sua História se formou.
A nossa História Próxima com os Judeus
António Sérgio, na sua obra «Breve Interpretação da História de Portugal»(3 ), refere, em particular, a relação dos portugueses com os judeus.
A obsessão pelos hábitos tradicionais de um tratamento repressivo dos judeus não fugiu à regra em Portugal. A figura do judeu era recriada pelo mito em que tudo se misturava, religião, sociedade, economia, ignorância teológica. Mas acima de tudo o interesse económico-financeiro dos «Gentios».
«A situação próspera do Judeu excitava a inveja, o despeito, a cobiça dos Cristãos.»- escreve Sérgio. Com honestidade, tem que se dizer que o Judeu dava às vezes razões de queixa, com procedimentos menos simpáticos. A usura, o açambarcamento de alimentos para alterar o preço de comercialização, diz-se até que ao ponto de promover fomes, são aspectos que a nossa história consigna e que autores como Herculano e Sérgio registam, apenas como factos. «A inimizade anárquica do vulgo»- como considera António Sérgio- terá levado inclusivamente D.João III a insistir com o papado o estabelecimento do Santo Ofício em Portugal, a fim de sustentar pela legalidade o que não era mais que anti-semitismo.
(Continua amanhã...)

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