Tuesday, December 29, 2009

Os Antinómicos "Ser-para-Morte" e "Ser-para-os-Outros"

Duas propostas sobre o Ser que contendem na natureza humana, e cujas perspectivas apreciadas por dois pensadores do século XX, um existencialista ateu e outro cristão radical, apontam caminhos diversos dentro das mesmas realidades a que o humano não pode fugir, a Morte e a Vida.
O « ser-para-morte» de Heidegger e o «ser-para-os-outros», de Bonhoeffer. São frases, mais conhecida a primeira que a segunda, construídas sobre uma estrutura da evidência da condição humana, que é, não obstante os defeitos, a condição humana do Ser.
A ausência mútua de Heidegger e Bonhoeffer um perante o outro no campo das Ideias, até no seu diferente modo de estar perante o nazismo, e a mesma ausência de ambos no meio evangélico, como pensadores, é um fenómeno de como ainda rejeitamos pensar o Ser Humano a não ser em moldes pré-concebidos, se não mesmo preconceituosos e baseados em maniqueísmos como bom, mau, preto, branco, crente, descrente.
Assim como, de uma forma errada -dizem os seus exegetas -,Heidegger pensava que a filosofia só poderia ser escrita em duas línguas: grego e alemão, muitos de nós julgam que o Ser Humano só pode ser pensado de um lado, o interior animado que precisa de uma salvação. Um homem abstracto diante de Deus, quando o que Deus mais quer é Homens concretos, assim como nos colocou diante de Um Filho concreto, o Verbo concreto que se fez carne.
Sabemos que no Éden o Criador não fez um ser simbólico, mas um Ser com espírito, alma e corpo. Mas por causa do pecado que produziu o que é designado como Queda, essa triunidade do Ser passou a estar sujeita à morte.

Martin Heidegger- dizia que a angústia ou o sentimento de aborrecimento – que chamava de profundo, não o aborrecimento trivial, circunstancial - no homem advém do facto da sua natureza temporal.
É a morte que termina a nossa constituição, segundo o filósofo. A nossa constituição terrena, a nossa estrutura corpórea, de acordo com a Bíblia Sagrada.
Ele partiu desta consideração, do Tempo, do limite temporal do Ser, para a consideração final do ser-para-morte.
Sobre a dificuldade que sempre parece ter aureolado esta frase, puramente existencialista, um aluno atento de Heidegger em 1955, o filósofo espanhol Julián Marías, logrou torná-la mais clara, ao escrever:
« Há uma frase famosíssima, citada mil vezes, segundo a qual, diz Heidegger, que o homem é sein zum Tod, que se traduz invariavelmente como "ser para a morte". O único problema é que isto não quer dizer no alemão "ser para a morte"; porque a palavra sein, que quer dizer certamente "ser", significa também outras coisas como "estar"; os alemães não dizem "estar" porque não têm o verbo "estar".»
O homem, segundo a teologia paulina, desde os alvores do Cristianismo «está» à morte, ou melhor «está na morte».
Como? Paulo revela aos efésios o percurso ontológico do homem e a mudança operada, ao acentuar que os crentes, vivificados agora, estiveram ( usa um particípio ) «mortos em ofensas e pecados», e sublinha não um estado momentâneo, mas o estado do Ser.
Embora este desde os primeiros dias distantes da Queda, após a Criação, seja ser para a morte, a partir do divino «certamente morrerás». Afirmação, com certeza, incompreensível ao homem por não saber o que era a Morte.
Não creio hoje que os primeiros Pais não a tenham ouvido sem experimentar angústia. A angústia desta frase acentuou-se em Adão e Eva e sucubiram perante o lôgro de Lucífer, como se a desobediencia desarmasse a proibição e o veredicto divinos.
A morte passou a ser – e Heidegger definiu-a não ignorando a teologia, porém em linguagem filosófica- como uma ameaça contínua, «ameaça por causa da sua constante presença». O ser para morte é essencialmente angústia, diz H. em O Ser e o Tempo.
Este existencialismo produziu um Ser sem esperança. Álvaro de Campos cultivando a perspectiva do nada, conferindo-lhe a substância da sua vontade de nada, na poesia “Lisbon Revisited” escreveu «A única conclusão é morrer.»
Se do ponto de vista da nossa compreensão e experiência da morte, esta seja sempre «a morte do outro», centrâmo-la em nós, será um dia a nossa. Enquanto isso, um teólogo do Discipulado veio trazer-nos uma outra dimensão do Ser, o Ser-para-os-Outros.

Dietrich Bonhoeffer- afirmou com a sua vida, perdida às mãos do regime nazi, este princípio mais do que cristão. Originalmente evangélico. «Ser-para-os-Outros».
Na perspectiva da afirmação de Jesus Cristo ( «o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir»), é anterior ao Cristianismo enquanto nome dado aos primitivos cristãos, é completa e genuinamente evangélico.
Pensou na morte? Obviamente, mas no sentido contrário ao de Heidegger.
Na sua conhecida obra da prisão hitleriana, antes de ser enforcado, escreveu: «Nos últimos anos, pensar na morte tornou-se cada vez mais familiar para nós.»
Era um pensamento não alimentado pela desesperança, mas estruturado com a serenidade porque cada novo dia de vida era um milagre. O seu testemunho di-lo, de uma forma corajosa: «Ficamos admirados com a serenidade com que recebemos as notícias da morte de companheiros com a nossa idade».
Neste contexto, o cristão deveria pensar mais no morrer do que na Morte, porque esta foi vencida por Cristo. «Tragada foi a morte na vitória»-clamava o apóstolo Paulo. Sabia que o último inimigo que há-de ser aniquilado é a morte. Porque Jesus Cristo sujeitou todas as coisas debaixo dos seus pés.
Mas toda a reflexão de Dietrich Bonhoeffer a partir da obra da sua vida, Ética, até à derradeira Resistência e Submissão, foi direccionada para o discipulado, a ética cristã e o serviço a Deus e aos homens.
Escreveu naquela obra que «toda a reflexão ética tem, então, por fito que eu seja bom e o que o mundo (através do meu fazer) se torne bom.» A realidade última desse serviço, defendia Bonhoeffer, não pertence à imagem profana do mundo sobre Deus, pertence ao crente no seu autotestemunho de Deus.
«O próprio Deus deixa-se servir por nós no humano»- escrevia nas Cartas da Prisão de Tegel ao seu amigo Eberhard Bethge.
Nesta obra há um diálogo teológico, sendo o tema central quem é Jesus Cristo hoje para nós? E nessa pergunta há as suas experiências contra a igreja oficial e a conspiração política necessária para que a igreja se não humilhasse ao regime hitleriano, submetendo a compreensão vital de Cristo aos jogos do poder, numa sociedade religiosa que tinha sobre si uma religião de Estado totalitário e criminoso.
O testemunho, a reflexão e a existência de Bonhoeffer, que resumia no «seu testemunho perante o mundo» foi nesse sentido de serviço aos outros. A nossa relação com Deus transforma-nos em «ser-para-os-outros» na comunhão de vida com Jesus Cristo.
Entendia o teólogo que Jesus Cristo não estava em rota de colisão com o espaço mundo,
porque contrariaria a noção de seviço ao próximo. A consequência prática de ser cristão.



Monday, December 28, 2009

Um poema sem pretéritos imperfeitos

Aqui um poema (Abriste-me a porta da vida) de Florbela Ribeiro sobre uma composição de arte fotográfica

Os romances do "DB" português

Via A Ovelha Perdida, temos aqui a análise erudita da pretensa ficção de conhecimento de um conhecido jornalista e pivot ( longe de ser anchorman) da nossa Televisão.

Wednesday, December 23, 2009

Palavra Profética, uma exegese poética

“Mas diante da igreja, antes quero dizer cinco palavras tiradas da minha cabeça, mas que os outros possam aproveitar, do que milhares de palavras em línguas desconhecidas.”1 Cor 14,19 (versão A Bíblia para todos p. 2246)

Há um baú de tesouro
repleto e palpitante de mistérios
inefáveis depositados por Deus,
como a terra úbere de minérios,

os próprios anjos dele se surpreendem
reclinados na indagação
de novo vento que lhes enfune as asas
e nos lábios lhes cante nova canção

não é de madeira preciosa
nem engastado de diamante
é dotado de riso e choro
de canto doce e troante

esse tesouro é a mente
incendiada e tenra do profeta
apurada para a interpretação de Deus
trasladada em voz de pastor, rei ou poeta

desse tesouro não retira o profeta
um gemido em estado bruto inexprimível
em língua celeste inaudita
mas palavra de homem inteligível

ao tempo e ao entendimento da assembleia
conforto coragem leme e lema para o povo
assim dita e pronunciada é como na árvore
nascente a pujança de um renovo

20/12/09

Rui Miguel Duarte

Tuesday, December 22, 2009

Ceias de Natal, nas vésperas


Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.
Isaías 9:6

***

Jacinto Lourenço

"Hoje de manhã, ao preparar-me para sair de casa, veio à minha mente este versículo bíblico. Como habitualmente faço, ouvia as primeiras notícias do dia na Antena 1 e, com elas, a de que os dois maiores partidos portugueses tinham realizado os seus jantares de natal, no mesmo dia, na mesma noite, a de ontem. Ora, como sou uma pessoa adulta, resolvida e medianamente inteligente, não estava à espera naturalmente que os dois líderes partidários se tivessem dedicado, mutuamente, poemas ou canções de natal, ou mesmo uma simples mensagem de boas festas. Mas também não esperava que o Natal, ou um simples jantar de natal, à volta do qual as pessoas normalmente se reunem para comer, beber e falar de tudo menos daquilo que é o Natal, viesse a servir de mote para que os líderes partidários, pessoas de quem devíamos esperar atitudes minimamente positivas por esta altura, se dirigissem mensagens, sim, mas de ataque pessoal e político, transmitindo desta forma, a ideia de que aquilo que conta não é o país ou as pessoas mas as suas intrigas político-palacianas, contrariando até o espírito deste natal “humanista” com que somos brindados pela sociedade mercantilista . Claro que não sou ingénuo, mas caramba, pelo menos que, nessa noite, em que juntam as suas hostes para um suposto jantar de natal, se coibissem de se degladiar e agredir e passar dessa forma mensagens negativas para a nação." Ler na íntegra Aqui

Saturday, December 19, 2009

A Estrebaria


a estrebaria fechou as portas
no aprisco não há ovelhas
os anjos já se calaram
e as estrelas nada anunciam
só resta a lembrança do menino
mas os homens enlouquecidos
já venderam até o seu nome
(Poema de Manuel Adriano Rodrigues, AQUI )

Friday, December 18, 2009

"Gaysamento"

"Mas porque tem o governo tanta pressa em aprovar esta lei quando sabe que está em curso uma petição, para obrigar à realização de um referendo, promovida pela Plataforma Casamento e Cidadania? Logo no início de Janeiro a petição será entregue na Assembleia da República, a solicitar a convocação de um referendo, e já dispõe de um número de signatários que torna obrigatória a sua apreciação pelo Parlamento. Ora, sendo o governo minoritário e havendo partidos da oposição que discordam desta lei, já se vê que as coisas não poderão ficar assim.Então, em nome de quê corre o governo este risco político de vir a sofrer uma derrota pesada, quer por via do Tribunal Constitucional, do PR e de um referendo que já antecipa vir a perder? Porque razão corre contra um património cultural tão importante e a sensibilidade da generalidade dos cidadãos?"

Questão oportuna que o dr.Brissos Lino, Poeta e Pastor Evangélico, levanta Aqui, para ler na íntegra.

Thursday, December 17, 2009

Afluentes sem vida

No final da Conferência de Copenhague sobre a saúde do Planeta, os poetas lembram a crise das almas tristes.
Nas lágrimas desse olhar
Leio emoções sufocadas
Sonhos desmentidos
Ilusões apagadas
Numa realidade cruel
Mas a vida segue
E prossegue
Estagnada pela dureza
Das amarras
Que te impedem de sorrir

(Florbela Ribeiro)

Friday, December 11, 2009

Poesia de Natal

Marc Chagall



Os anjos fariam um colar
de palavras do seu cântico

Se tivessem as ferramentas
dos homens e o fogo
fosforescente da forja
seriam as palavras anéis
de prata enfileiradas

Anjos tangendo os lábios
no mais puro hino branco
seus sorrisos soltando-se
das estrelas e nas pedras
os anjos caminhariam
sobre asas.

11-12-09

Wednesday, December 09, 2009

Última Hora: Bíblia Dake (Fake) vai ser recolhida

BÍBLIA DAKE SERÁ RECOLHIDA

Acompanhar a notícia Aqui

"No tempo em que não havia Pai Natal"

"Não vou falar do Natal, mas das coisas que acontecem à volta do Natal. Acho que, de todas as épocas, esta será a mais consensual no mundo cristão, seja qual for a confissão, embora nem sempre pelas mesmas razões, ou pelas melhores razões, para todos. Tenho, confessadamente, um problema com a forma como se celebra actualmente o natal; um problema que entronca na minha memória de infância sobre a época. Já o disse noutras ocasiões e circunstâncias, mas volto a repetir: estou divorciado do natal, deste natal feérico, de exposição mediática e intrusão mercantilista. Deste frenesi consumista fora e dentro de casa. Talvez por isso, já tenha alguma dificuldade em ouvir as músicas de natal que ecoam por tudo o que é sítio ao ritmo de papel de embrulho e laçarotes a metro. Ouço pessoas a desejarem-se constantemente "bom natal" ou "feliz natal" e lembro-me de como em criança eu gritava para dentro de poços secos de água para ouvir o retorno da minha voz devolvida pelo vazio do profundo."

Artigo up to date de Jacinto Lourenço, para ler na íntegra Aqui

Saturday, December 05, 2009

Nota de Falecimento: Poeta Joanyr de Oliveira

Inesperadamente, como chegam sempre as notícias por e-mail, veio, pela mão da secretária do escritor, a nota da morte do meu Amigo querido, Mestre e Companheiro na Poesia Evangélica contemporânea, Joanyr de Oliveira. Completaria dia 6, 76 anos.

"Prezados (a),
Tenho a triste missão de comunicar-lhe que o escritor pioneiro de Brasília, Joanyr de Oliveira, faleceu na manhã do dia 05, no Hospital Santa Helena em Brasília e será sepultado, no dia 06 (data em que completaria 76 anos), no Cemitério Campo da Esperança em Brasília.
O corpo será velado na capela nº 3 do referido cemitério, a partir das 14 horas, e sepultamente às 17 h.
Atenciosamente,
Rosângela Trindade"
Um Obituário que pode ser lido aqui

A Semiótica narrativa dos objectos de Gideão

O episódio bíblico-histórico de Gideão já originou um importante movimento evangélico à escala mundial. O paradigma foi, sem dúvida, a selecção tendo em vista uma determinada tarefa. Os Gideões Internacionais, como são conhecidos, seleccionados entre as diversas igrejas, desenvolvem, assim, um ministério nobre de espalhar o Livro de Deus em hotéis, escolas, hospitais, etc.
Mas a proposta fundacional daquela personagem do Velho Testamento aprofunda e desencadeia outros pensamentos e outras hermenêuticas. Porventura uma das mais aliciantes abordagens, será no âmbito da semiologia, digamos assim, dos objectos usados por Gideão.

Um episódio da história
Ao lermos o texto bíblico que narra a preparação da batalha contra os medianitas, cingimo-nos exclusivamente a que se trata de um episódio de passagem, em que Deus pretende que o seu povo de Israel compreenda que só pode ganhar combates confiando, não na sua força, mas na do seu Iavé. Neste âmbito, o livro de Juízes é, de facto, um conjunto de eventos, de repetição de eventos, dando sempre ênfase à estrutura moral e ética da história de uma nação teocrática e na exclusiva dependência do Único Deus.
Não devemos, no entanto, ignorar que existe, designadamente no episódio «Gideão, com trezentos homens, vence os medianitas», uma narratividade literária que estrutura o alcance teológico do ensino de Deus ao seu povo, numa circunstância adversa e de crise. Convém colocar em paralelo em todo texto, o assombro da grande literatura, a imaginação, e uma linguagem. Numa palavra, a língua comunictiva de Iavé, o próprio dizer de Deus à conversa com Gideão.
O filósofo e linguista George Steiner justificou no seu livro «Depois de Babel » a capacidade por parte do homem entender a língua de Deus, no Paraíso, pela existência de uma sintaxe divina, que ao longo da história do relacionamento de Deus com os patriarcas, profetas, sumo-sacerdotes, reis no Velho Testamento, se foi manifestando até à encarnação do Verbo. E assim dos Apóstolos até ao crente mais simples na Igreja de Cristo.


Neste relato bíblico, histórico-literário, com o seu poder de causar assombro como obra literária, a escolha dos homens culminaria depois com a escolha dos objectos e da expressão nominal simples de cada um dos mesmos.
A avaliação dos acontecimentos na estrutura da narração, dá-lhe de facto valor literário; a espiritualidade do texto, o que se pretendeu alcançar - o desígnio divino - confere-lhe o valor inspirado biblicamente, com os três objectos utilizados.

A semiologia espiritual dos cântaros, tochas e trombetas de chifre.
Os objectos apresentados na narração, representavam-se a si mesmos como objectos de uso comum, na vida e na realidade. Tiveram um papel instrumental. Mas eles apresentaram-se como uma metalinguagem também, não apenas como utensílios. Cada objecto caracterizava uma mensagem que se descreve pela semiologia. Cabe, assim, à semiologia descrever cada mensagem contida nesses três diversos tipos de comunicação.
Independentemente de tais objectos haverem tido uma funcionalidade precisa, ilustrando uma espécie de guerra psicológica engendrada pela estratégia de Gideão (in Comentário Bíblico Moody, Vol. II, pág.55 ), podemos apreciá-los pelo seu conteúdo espiritual e pelo que podem, idealmente, representar na vida do crente.

Cântaros de barro
A Bíblia Sagrada apresenta uma metáfora para falar da criatura humana como um vaso de barro nas mãos do Oleiro. Nos livros de Isaías e de Jeremias lemos acerca do homem como barro e obra das mãos de Deus, também no plano colectivo como Deus modelou o povo de Israel, usando o exemplo de uma olaria; na epístola aos Romanos, Paulo escreve sobre nós próprios como vasos de barro para honra ou para desonra, na perspectiva de que o oleiro tem direitos sobre o barro. É mais claro ainda um texto determinante desta verdade, que o mesmo apóstolo Paulo recomendou aos crentes de Tessalónica (4.4), nomeando o corpo como vaso ( no grego,skeuos ). «Que cada um de vós saiba possuir o próprio vaso (ou corpo) em santificação ».
Mas, o vaso de cerâmica(ostrakinos) ou de barro é um continente, vale o que vale o seu conteúdo, metaforicamente. No plano espiritual é um receptáculo, no que concerne ao ego precisa, na perspectiva bíblica, de desvestir-se ou partir-se para que resplandeça a Luz interior, como sucedeu com os cântaros ou jarros para água ( chamados na Septuaginta ydrias, os ydrías kenàs, jarros vazíos) dos homens de Gideão. Muitos séculos depois, já na Igreja Primitiva, Paulo falava de que o conhecimento da glória divina fora entregue, qual tesouro, em vasos de barro ( os tais ostrakinois skeuesin) (2 Co 4.6,7) Esta «declaração surpreendente» de Paulo, explica como Deus para dar ao apóstolo o conhecimento da sua glória, lhe iluminou o coração, das trevas fez resplandecer a luz, lhe entregou um tesouro que é o Evangelho.

Lâmpadas
Iluminar, nos textos bíblicos em paralelo com a experiência histórica, não é apenas fazer claridade na escuridão.
Teologicamente, a iluminação é sobretudo fundadora do reino da Luz contra o reinado das trevas espirituais, assim como no aspecto da vida social e familiar quotidiana desses remotos tempos, a iluminação era conseguida através do fogo,em lâmpadas com azeite.
Na obscuridade, o exército inimigo seria confrontado com luz, o habitual medo do escuro funcionaria nesse episódio dos midianitas versus Gideão ao contrário, a luz repentina das tochas do outro lado iria aterrorizá-los.
Transportando tal experiência para o campo da vivência cristã, dir-se-á que tal episódio também marca a relação do crente com o mundo. Quando Jesus Cristo afirmou «vós sois a luz do mundo», foi mesmo isso que quis dizer, na decorrência da proclamação das Boas Novas que incumbe à mulher e ao homem cristãos. Portanto, o crente não é uma metáfora da luz, ele mesmo é portador dessa luz pelo novo nascimento. Paulo escreve aos Tessalonicenses que «sois filhos da Luz e filhos do dia», e, assim, o Dia do Senhor não apanhará o crente de surpresa.

Trombetas de chifre
O toque das trombetas não foi um som de beleza, um sinal estético, foi um toque por impulso da urgência.A prática do povo com as trombetas de chifre era uma experiência de vitória. Foi um paradigma que não deveria ser mudado. O objecto de osso de carneiro lembrava este com substituto no sacrifício de Isaac.
Shofar, do hebraico, é um instrumento de sopro antiquíssimo, não produz sons delicados. Não é usado por prazer ou divertimento. Gideão usou as trombetas como uma sinalização, para marcar uma presença inesperada no campo da noite. O som poderia ter uma leitura semiótica, do nosso ponto de vista menos do que a leitura do significado do objecto.
Na obscuridade da acção o inimigo seria confrontado com um som e com a representatividade de uma nação, já que a trombeta era um objecto nacional dos israelitas.
A trombeta (shofar) não tem função em serviços religiosos nos dias de hoje. Contudo, na sua transposição metafórica para a Igreja, digamos que tem um substituto, do ponto de vista do que pode simbolizar. Como experiência no campo espiritual para os cristãos, a trombeta insere-se no plano do testemunho pessoal do crente, da sua nacionalidade e cidadania dos céus, da proclamação do Evangelho e da notícia que Jesus Cristo é Redentor. Noutro plano, se quisermos escatológico, o crente é um arauto da mensagem da Parousia, que assinala a próxima Segunda Vinda do Senhor, como anuncia o rapto da Igreja. #