Duas propostas sobre o Ser que contendem na natureza humana, e cujas perspectivas apreciadas por dois pensadores do século XX, um existencialista ateu e outro cristão radical, apontam caminhos diversos dentro das mesmas realidades a que o humano não pode fugir, a Morte e a Vida.
O « ser-para-morte» de Heidegger e o «ser-para-os-outros», de Bonhoeffer. São frases, mais conhecida a primeira que a segunda, construídas sobre uma estrutura da evidência da condição humana, que é, não obstante os defeitos, a condição humana do Ser.
A ausência mútua de Heidegger e Bonhoeffer um perante o outro no campo das Ideias, até no seu diferente modo de estar perante o nazismo, e a mesma ausência de ambos no meio evangélico, como pensadores, é um fenómeno de como ainda rejeitamos pensar o Ser Humano a não ser em moldes pré-concebidos, se não mesmo preconceituosos e baseados em maniqueísmos como bom, mau, preto, branco, crente, descrente.
Assim como, de uma forma errada -dizem os seus exegetas -,Heidegger pensava que a filosofia só poderia ser escrita em duas línguas: grego e alemão, muitos de nós julgam que o Ser Humano só pode ser pensado de um lado, o interior animado que precisa de uma salvação. Um homem abstracto diante de Deus, quando o que Deus mais quer é Homens concretos, assim como nos colocou diante de Um Filho concreto, o Verbo concreto que se fez carne.
Sabemos que no Éden o Criador não fez um ser simbólico, mas um Ser com espírito, alma e corpo. Mas por causa do pecado que produziu o que é designado como Queda, essa triunidade do Ser passou a estar sujeita à morte.
Martin Heidegger- dizia que a angústia ou o sentimento de aborrecimento – que chamava de profundo, não o aborrecimento trivial, circunstancial - no homem advém do facto da sua natureza temporal.
É a morte que termina a nossa constituição, segundo o filósofo. A nossa constituição terrena, a nossa estrutura corpórea, de acordo com a Bíblia Sagrada.
Ele partiu desta consideração, do Tempo, do limite temporal do Ser, para a consideração final do ser-para-morte.
Sobre a dificuldade que sempre parece ter aureolado esta frase, puramente existencialista, um aluno atento de Heidegger em 1955, o filósofo espanhol Julián Marías, logrou torná-la mais clara, ao escrever:
« Há uma frase famosíssima, citada mil vezes, segundo a qual, diz Heidegger, que o homem é sein zum Tod, que se traduz invariavelmente como "ser para a morte". O único problema é que isto não quer dizer no alemão "ser para a morte"; porque a palavra sein, que quer dizer certamente "ser", significa também outras coisas como "estar"; os alemães não dizem "estar" porque não têm o verbo "estar".»
O homem, segundo a teologia paulina, desde os alvores do Cristianismo «está» à morte, ou melhor «está na morte».
Como? Paulo revela aos efésios o percurso ontológico do homem e a mudança operada, ao acentuar que os crentes, vivificados agora, estiveram ( usa um particípio ) «mortos em ofensas e pecados», e sublinha não um estado momentâneo, mas o estado do Ser.
Embora este desde os primeiros dias distantes da Queda, após a Criação, seja ser para a morte, a partir do divino «certamente morrerás». Afirmação, com certeza, incompreensível ao homem por não saber o que era a Morte.
Não creio hoje que os primeiros Pais não a tenham ouvido sem experimentar angústia. A angústia desta frase acentuou-se em Adão e Eva e sucubiram perante o lôgro de Lucífer, como se a desobediencia desarmasse a proibição e o veredicto divinos.
A morte passou a ser – e Heidegger definiu-a não ignorando a teologia, porém em linguagem filosófica- como uma ameaça contínua, «ameaça por causa da sua constante presença». O ser para morte é essencialmente angústia, diz H. em O Ser e o Tempo.
Este existencialismo produziu um Ser sem esperança. Álvaro de Campos cultivando a perspectiva do nada, conferindo-lhe a substância da sua vontade de nada, na poesia “Lisbon Revisited” escreveu «A única conclusão é morrer.»
Se do ponto de vista da nossa compreensão e experiência da morte, esta seja sempre «a morte do outro», centrâmo-la em nós, será um dia a nossa. Enquanto isso, um teólogo do Discipulado veio trazer-nos uma outra dimensão do Ser, o Ser-para-os-Outros.
Dietrich Bonhoeffer- afirmou com a sua vida, perdida às mãos do regime nazi, este princípio mais do que cristão. Originalmente evangélico. «Ser-para-os-Outros».
Na perspectiva da afirmação de Jesus Cristo ( «o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir»), é anterior ao Cristianismo enquanto nome dado aos primitivos cristãos, é completa e genuinamente evangélico.
Pensou na morte? Obviamente, mas no sentido contrário ao de Heidegger.
Na sua conhecida obra da prisão hitleriana, antes de ser enforcado, escreveu: «Nos últimos anos, pensar na morte tornou-se cada vez mais familiar para nós.»
Era um pensamento não alimentado pela desesperança, mas estruturado com a serenidade porque cada novo dia de vida era um milagre. O seu testemunho di-lo, de uma forma corajosa: «Ficamos admirados com a serenidade com que recebemos as notícias da morte de companheiros com a nossa idade».
Neste contexto, o cristão deveria pensar mais no morrer do que na Morte, porque esta foi vencida por Cristo. «Tragada foi a morte na vitória»-clamava o apóstolo Paulo. Sabia que o último inimigo que há-de ser aniquilado é a morte. Porque Jesus Cristo sujeitou todas as coisas debaixo dos seus pés.
Mas toda a reflexão de Dietrich Bonhoeffer a partir da obra da sua vida, Ética, até à derradeira Resistência e Submissão, foi direccionada para o discipulado, a ética cristã e o serviço a Deus e aos homens.
Escreveu naquela obra que «toda a reflexão ética tem, então, por fito que eu seja bom e o que o mundo (através do meu fazer) se torne bom.» A realidade última desse serviço, defendia Bonhoeffer, não pertence à imagem profana do mundo sobre Deus, pertence ao crente no seu autotestemunho de Deus.
«O próprio Deus deixa-se servir por nós no humano»- escrevia nas Cartas da Prisão de Tegel ao seu amigo Eberhard Bethge.
Nesta obra há um diálogo teológico, sendo o tema central quem é Jesus Cristo hoje para nós? E nessa pergunta há as suas experiências contra a igreja oficial e a conspiração política necessária para que a igreja se não humilhasse ao regime hitleriano, submetendo a compreensão vital de Cristo aos jogos do poder, numa sociedade religiosa que tinha sobre si uma religião de Estado totalitário e criminoso.
O testemunho, a reflexão e a existência de Bonhoeffer, que resumia no «seu testemunho perante o mundo» foi nesse sentido de serviço aos outros. A nossa relação com Deus transforma-nos em «ser-para-os-outros» na comunhão de vida com Jesus Cristo.
Entendia o teólogo que Jesus Cristo não estava em rota de colisão com o espaço mundo,
porque contrariaria a noção de seviço ao próximo. A consequência prática de ser cristão.
O « ser-para-morte» de Heidegger e o «ser-para-os-outros», de Bonhoeffer. São frases, mais conhecida a primeira que a segunda, construídas sobre uma estrutura da evidência da condição humana, que é, não obstante os defeitos, a condição humana do Ser.
A ausência mútua de Heidegger e Bonhoeffer um perante o outro no campo das Ideias, até no seu diferente modo de estar perante o nazismo, e a mesma ausência de ambos no meio evangélico, como pensadores, é um fenómeno de como ainda rejeitamos pensar o Ser Humano a não ser em moldes pré-concebidos, se não mesmo preconceituosos e baseados em maniqueísmos como bom, mau, preto, branco, crente, descrente.
Assim como, de uma forma errada -dizem os seus exegetas -,Heidegger pensava que a filosofia só poderia ser escrita em duas línguas: grego e alemão, muitos de nós julgam que o Ser Humano só pode ser pensado de um lado, o interior animado que precisa de uma salvação. Um homem abstracto diante de Deus, quando o que Deus mais quer é Homens concretos, assim como nos colocou diante de Um Filho concreto, o Verbo concreto que se fez carne.
Sabemos que no Éden o Criador não fez um ser simbólico, mas um Ser com espírito, alma e corpo. Mas por causa do pecado que produziu o que é designado como Queda, essa triunidade do Ser passou a estar sujeita à morte.
Martin Heidegger- dizia que a angústia ou o sentimento de aborrecimento – que chamava de profundo, não o aborrecimento trivial, circunstancial - no homem advém do facto da sua natureza temporal.
É a morte que termina a nossa constituição, segundo o filósofo. A nossa constituição terrena, a nossa estrutura corpórea, de acordo com a Bíblia Sagrada.
Ele partiu desta consideração, do Tempo, do limite temporal do Ser, para a consideração final do ser-para-morte.
Sobre a dificuldade que sempre parece ter aureolado esta frase, puramente existencialista, um aluno atento de Heidegger em 1955, o filósofo espanhol Julián Marías, logrou torná-la mais clara, ao escrever:
« Há uma frase famosíssima, citada mil vezes, segundo a qual, diz Heidegger, que o homem é sein zum Tod, que se traduz invariavelmente como "ser para a morte". O único problema é que isto não quer dizer no alemão "ser para a morte"; porque a palavra sein, que quer dizer certamente "ser", significa também outras coisas como "estar"; os alemães não dizem "estar" porque não têm o verbo "estar".»
O homem, segundo a teologia paulina, desde os alvores do Cristianismo «está» à morte, ou melhor «está na morte».
Como? Paulo revela aos efésios o percurso ontológico do homem e a mudança operada, ao acentuar que os crentes, vivificados agora, estiveram ( usa um particípio ) «mortos em ofensas e pecados», e sublinha não um estado momentâneo, mas o estado do Ser.
Embora este desde os primeiros dias distantes da Queda, após a Criação, seja ser para a morte, a partir do divino «certamente morrerás». Afirmação, com certeza, incompreensível ao homem por não saber o que era a Morte.
Não creio hoje que os primeiros Pais não a tenham ouvido sem experimentar angústia. A angústia desta frase acentuou-se em Adão e Eva e sucubiram perante o lôgro de Lucífer, como se a desobediencia desarmasse a proibição e o veredicto divinos.
A morte passou a ser – e Heidegger definiu-a não ignorando a teologia, porém em linguagem filosófica- como uma ameaça contínua, «ameaça por causa da sua constante presença». O ser para morte é essencialmente angústia, diz H. em O Ser e o Tempo.
Este existencialismo produziu um Ser sem esperança. Álvaro de Campos cultivando a perspectiva do nada, conferindo-lhe a substância da sua vontade de nada, na poesia “Lisbon Revisited” escreveu «A única conclusão é morrer.»
Se do ponto de vista da nossa compreensão e experiência da morte, esta seja sempre «a morte do outro», centrâmo-la em nós, será um dia a nossa. Enquanto isso, um teólogo do Discipulado veio trazer-nos uma outra dimensão do Ser, o Ser-para-os-Outros.
Dietrich Bonhoeffer- afirmou com a sua vida, perdida às mãos do regime nazi, este princípio mais do que cristão. Originalmente evangélico. «Ser-para-os-Outros».
Na perspectiva da afirmação de Jesus Cristo ( «o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir»), é anterior ao Cristianismo enquanto nome dado aos primitivos cristãos, é completa e genuinamente evangélico.
Pensou na morte? Obviamente, mas no sentido contrário ao de Heidegger.
Na sua conhecida obra da prisão hitleriana, antes de ser enforcado, escreveu: «Nos últimos anos, pensar na morte tornou-se cada vez mais familiar para nós.»
Era um pensamento não alimentado pela desesperança, mas estruturado com a serenidade porque cada novo dia de vida era um milagre. O seu testemunho di-lo, de uma forma corajosa: «Ficamos admirados com a serenidade com que recebemos as notícias da morte de companheiros com a nossa idade».
Neste contexto, o cristão deveria pensar mais no morrer do que na Morte, porque esta foi vencida por Cristo. «Tragada foi a morte na vitória»-clamava o apóstolo Paulo. Sabia que o último inimigo que há-de ser aniquilado é a morte. Porque Jesus Cristo sujeitou todas as coisas debaixo dos seus pés.
Mas toda a reflexão de Dietrich Bonhoeffer a partir da obra da sua vida, Ética, até à derradeira Resistência e Submissão, foi direccionada para o discipulado, a ética cristã e o serviço a Deus e aos homens.
Escreveu naquela obra que «toda a reflexão ética tem, então, por fito que eu seja bom e o que o mundo (através do meu fazer) se torne bom.» A realidade última desse serviço, defendia Bonhoeffer, não pertence à imagem profana do mundo sobre Deus, pertence ao crente no seu autotestemunho de Deus.
«O próprio Deus deixa-se servir por nós no humano»- escrevia nas Cartas da Prisão de Tegel ao seu amigo Eberhard Bethge.
Nesta obra há um diálogo teológico, sendo o tema central quem é Jesus Cristo hoje para nós? E nessa pergunta há as suas experiências contra a igreja oficial e a conspiração política necessária para que a igreja se não humilhasse ao regime hitleriano, submetendo a compreensão vital de Cristo aos jogos do poder, numa sociedade religiosa que tinha sobre si uma religião de Estado totalitário e criminoso.
O testemunho, a reflexão e a existência de Bonhoeffer, que resumia no «seu testemunho perante o mundo» foi nesse sentido de serviço aos outros. A nossa relação com Deus transforma-nos em «ser-para-os-outros» na comunhão de vida com Jesus Cristo.
Entendia o teólogo que Jesus Cristo não estava em rota de colisão com o espaço mundo,
porque contrariaria a noção de seviço ao próximo. A consequência prática de ser cristão.
1 comment:
Meu caro, gostei da antinomia.
Em minha opinião o "ser-para-os-outros" é a forma mais conseguida do "ser-para-Deus". Já o "ser-para-a-morte" presume uma noção meramente antropológica, destituída da dimensão do espiritual/transcendente.
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