Friday, February 01, 2013

CONTO: ÁRVORE NO FIM DO CAMINHO


 
As folhas verdes foram partindo pelas nervuras. Rangiam os ramos sob o meu peso como um aviso. Eu não tinha nenhum padrão de altura que achasse inacessível, só o facto de ser de pequena estatura. Por isso subi à árvore. Vistos lá de cima, os homens eram todos do mesmo tamanho.

-Que estás a fazer aí em cima? - foi uma voz de baixo, inqualificável, que ouvi, entre risos que mal disfarçavam o escárnio.

Mais tarde recordar-se-ia de tudo isso – disse-me passados muitos anos.

Zaqueu foi sempre um mau amigo e não andava nunca empenhado em auxiliar os outros.
Números apenas que concorriam para a sua riqueza, era o que pensava dos outros. E contribuintes.
Mas nesse dia aventurou-se a sair de casa e a meter-se no meio da multidão. Um publicano não era nobre na sua terra. Era rico. Os seus vestidos, bastante compridos e de bom linho, não estavam preparados para subir às árvores, emaranhavam-se nos ramos e ficavam sujos de pó. Ninguém estava a entender aquela atitude. Era por certo má vontade das pessoas de Jericó acerca de Zaqueu, porque afinal a multidão procurava a mesma coisa.

-É lamentável, subir a uma figueira! - e o murmúrio era quase inaudível. É certo que a multidão estava agitada, mas mesmo assim podia-se escutar as críticas irónicas dos que estavam sob a árvore. - Se ele caísse, era bem feito – isto ouviu-se distintamente.

Tiveram oportunidade para o insultar. Contudo, só lhe disseram que viria aí um profeta ou o messias e que ele era um pecador e um publicano e que se tivesse vergonha nem sequer estaria ali.

Mas Zaqueu não se importava com o que ia ouvindo, mostrava-se, isso sim, afoito. Nem uma vez se desequilibrou, nem sacudiu o pó das roupas. Via-se que era importante para ele estar ali.

-Zaqueu subiu àquela figueira brava e recusa-se terminantemente a descer- foram dizer aos serviços dos impostos e à sua própria casa, à esposa. Esta achou muito estranha a atitude do marido.

O rumor da novidade vinha dos lados da entrada da cidade. Há anos que aquela porta e aquelas pedras não eram cruzadas por alguém importante. Ouviam-se ao longe louvores, falava-se de que houvera um milagre. Um cego conhecido recuperara a visão. Lá para a entrada, ou no caminho, não se sabia ainda muito bem onde, houve um milagre.

Um milagre naqueles dias, de poeira e calor intenso nos caminhos, não importava o tempo que fizesse, fazia aglomerar muita gente. Estava ávida de qualquer coisa sobrenatural que viesse dos céus, essa gente não suportava já as asperezas da terra.

Tenha sido ou não um dos que O acompanhavam, uma dúzia de pessoas, vinte ou o vozeario inconfidente da multidão, a divulgar o nome, nunca se soube. Chamavam-lhe Jesus. Oriundo da Nazaré, era novo, tinha pouco mais de 30 anos, exibia um vigor de quem poderia viver até à velhice; alto e com uma tez escura, os seus olhos tinha a cor da bondade; as vestes estavam a meio caminho entre as de Salomão e a beleza dos lírios.

Os olhos de Zaqueu foram abrindo caminho entre a multidão, e do cimo da árvore não era difícil perceber quem seria Jesus, pois este distinguia-se pela maneira como a gente mais próxima o rodeava.

- Zaqueu – e o seu nome pronunciado por Jesus, desnudou-o, como se estivesse a descrever perante os mais próximos a necessidade de Zaqueu – desce depressa porque convém-me visitar-te hoje”.

-Eu?- pronunciou esse eu com o medo de estar a descobrir uma grande dúvida sobre si próprio. Desceu uns ramos e saltou contente e cheio de vigor para o chão.

Daí a muitos anos, muito tempo depois daquela Páscoa, Zaqueu, que já não poderia subir a nenhuma árvore, lembrava-se desse dia. ©

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