Sunday, October 12, 2008

"E o poeta se fez triste..."






Brissos Lino


Escrevia João Tomaz Parreira, em jeito de nota de pé de página, no seu blogue “Papéis na Gaveta”, a 27/7/2008:

“Nunca fui um homem de alegrias excessivas. Com algum sentido de humor, sim. Ironia quanto baste, como a do profeta Elias, na mesma linha que seguiu da ironia alimentada pelo conhecimento sobre as religiões e os rituais que caminham pelo absurdo. Mas foi preciso chegar aos 61 anos para ser triste.

Triste como Charles Dickens ante a realidade que estampou no seu livro Tempos Difíceis/Hard Times, em que as crianças e os trabalhadores explorados eram as vítimas;
triste como Ezra Pound, o poeta dos Cantos, diante da Usura;
triste como o Álvaro de Campos, heterónimo de Pessoa, ao ver o mundo com o pessimismo do grande poema A Tabacaria, como se tivesse razão e, infelizmente, teve-a.

Tudo do domínio da Literatura, dirão. Mas quem poderá ter a veleidade de se afirmar triste, com aquela tristeza que só é divina, de Jesus perante a cidade de Jerusalém?”

São palavras duras, convenhamos, que expressam alguma desilusão sobre o mundo e os homens. E contudo JTP, como cristão convicto que é, sempre soube que os homens estão habitados pelo pecado, o qual gera a morte, no dizer de S. Paulo, e que o mundo não está em boas mãos, visto que se encontra “no maligno”.

Mas talvez o desconforto e a surpresa com que se diz triste agora, aos 61 anos, depois de boa parte da vida vivida, seja mais com o que sente do que com o que sabe. A racionalidade funciona a um ritmo muito mais acelerado do que as emoções.

Por outro lado, a alegria vem e vai. Pode gerar-se quase instantaneamente, apenas desencadeada por um factor fortuito, que estimula a libertação de um fluxo mais significativo de adrenalina.

Já a tristeza anda mais devagar, precisa de tempo para se consolidar, instala-se mais discretamente mas traz consigo as malas e faz-nos companhia durante mais tempo. Requer introspecção, distanciamento e uma postura mais reflexiva, característica nos poetas, mas também no ser humano em geral, da fase da meia-idade para a frente.

Contudo, é curioso observar como JTP fala da sua tristeza. Parece fazê-lo com pouco à vontade, justificando-a cuidadosamente com as suas desilusões, como se tivesse algum acanhamento por se sentir assim. Daí talvez a marcação de distância com Jesus, ele sim, tinha todo o direito de se sentir triste perante Jerusalém. JTP, um simples mortal, não ousa estar triste como o seu Mestre. Quer que fique bem claro que não se sente nesse direito.

Já estou a ouvir algumas cabeças, porventura escandalizadas, a estranhar esta confissão honesta, que vai muito mais na linha da tradição literária (e também portuguesa, como no caso dos “vencidos da vida”) do que na postura de algum cristianismo plástico, de sorriso artificial e tontamente optimista. Como se não fossemos todos de carne e osso, e os sentimentos não fossem legítimos e uma evidência.

A chamada “geração de setenta”, no séc. XIX português, ficou conhecida como “os vencidos da vida”, cujo lema foi: “Para um homem, o ser vencido ou derrotado na vida depende, não da realidade aparente a que chegou – mas do ideal íntimo a que aspirava”. Neste sentido não somos todos “vencidos”? E não temos todos motivos para “sermos tristes”?

JTP sabe bem onde encontrar conforto pleno para o seu sentimento de tristeza. Sabe bem quem nunca o desiludirá. Mas sejamos honestos. É exactamente assim que nos sentimos todos em certos momentos, se acaso vivemos com os pés no chão.

A vantagem do que confia em Deus é que, sem tirar os pés do chão, pode manter a cabeça no céu. E isso permite que a nossa tristeza não seja um livro fechado.

Outubro 2008

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