Mas a proposta fundacional daquela personagem do Velho Testamento aprofunda e desencadeia outros pensamentos e outras hermenêuticas. Porventura uma das mais aliciantes abordagens, será no âmbito da semiologia, digamos assim, dos objectos usados por Gideão.
Um episódio da história
Ao lermos o texto bíblico que narra a preparação da batalha contra os medianitas, cingimo-nos exclusivamente a que se trata de um episódio de passagem, em que Deus pretende que o seu povo de Israel compreenda que só pode ganhar combates confiando, não na sua força, mas na do seu Iavé. Neste âmbito, o livro de Juízes é, de facto, um conjunto de eventos, de repetição de eventos, dando sempre ênfase à estrutura moral e ética da história de uma nação teocrática e na exclusiva dependência do Único Deus.
Não devemos, no entanto, ignorar que existe, designadamente no episódio «Gideão, com trezentos homens, vence os medianitas», uma narratividade literária que estrutura o alcance teológico do ensino de Deus ao seu povo, numa circunstância adversa e de crise. Convém colocar em paralelo em todo texto, o assombro da grande literatura, a imaginação, e uma linguagem. Numa palavra, a língua comunictiva de Iavé, o próprio dizer de Deus à conversa com Gideão.
O filósofo e linguista George Steiner justificou no seu livro «Depois de Babel » a capacidade por parte do homem entender a língua de Deus, no Paraíso, pela existência de uma sintaxe divina, que ao longo da história do relacionamento de Deus com os patriarcas, profetas, sumo-sacerdotes, reis no Velho Testamento, se foi manifestando até à encarnação do Verbo. E assim dos Apóstolos até ao crente mais simples na Igreja de Cristo.
Ao lermos o texto bíblico que narra a preparação da batalha contra os medianitas, cingimo-nos exclusivamente a que se trata de um episódio de passagem, em que Deus pretende que o seu povo de Israel compreenda que só pode ganhar combates confiando, não na sua força, mas na do seu Iavé. Neste âmbito, o livro de Juízes é, de facto, um conjunto de eventos, de repetição de eventos, dando sempre ênfase à estrutura moral e ética da história de uma nação teocrática e na exclusiva dependência do Único Deus.
Não devemos, no entanto, ignorar que existe, designadamente no episódio «Gideão, com trezentos homens, vence os medianitas», uma narratividade literária que estrutura o alcance teológico do ensino de Deus ao seu povo, numa circunstância adversa e de crise. Convém colocar em paralelo em todo texto, o assombro da grande literatura, a imaginação, e uma linguagem. Numa palavra, a língua comunictiva de Iavé, o próprio dizer de Deus à conversa com Gideão.
O filósofo e linguista George Steiner justificou no seu livro «Depois de Babel » a capacidade por parte do homem entender a língua de Deus, no Paraíso, pela existência de uma sintaxe divina, que ao longo da história do relacionamento de Deus com os patriarcas, profetas, sumo-sacerdotes, reis no Velho Testamento, se foi manifestando até à encarnação do Verbo. E assim dos Apóstolos até ao crente mais simples na Igreja de Cristo.
Neste relato bíblico, histórico-literário, com o seu poder de causar assombro como obra literária, a escolha dos homens culminaria depois com a escolha dos objectos e da expressão nominal simples de cada um dos mesmos.
A avaliação dos acontecimentos na estrutura da narração, dá-lhe de facto valor literário; a espiritualidade do texto, o que se pretendeu alcançar - o desígnio divino - confere-lhe o valor inspirado biblicamente, com os três objectos utilizados.
A avaliação dos acontecimentos na estrutura da narração, dá-lhe de facto valor literário; a espiritualidade do texto, o que se pretendeu alcançar - o desígnio divino - confere-lhe o valor inspirado biblicamente, com os três objectos utilizados.
A semiologia espiritual dos cântaros, tochas e trombetas de chifre.
Os objectos apresentados na narração, representavam-se a si mesmos como objectos de uso comum, na vida e na realidade. Tiveram um papel instrumental. Mas eles apresentaram-se como uma metalinguagem também, não apenas como utensílios. Cada objecto caracterizava uma mensagem que se descreve pela semiologia. Cabe, assim, à semiologia descrever cada mensagem contida nesses três diversos tipos de comunicação.
Independentemente de tais objectos haverem tido uma funcionalidade precisa, ilustrando uma espécie de guerra psicológica engendrada pela estratégia de Gideão (in Comentário Bíblico Moody, Vol. II, pág.55 ), podemos apreciá-los pelo seu conteúdo espiritual e pelo que podem, idealmente, representar na vida do crente.
Os objectos apresentados na narração, representavam-se a si mesmos como objectos de uso comum, na vida e na realidade. Tiveram um papel instrumental. Mas eles apresentaram-se como uma metalinguagem também, não apenas como utensílios. Cada objecto caracterizava uma mensagem que se descreve pela semiologia. Cabe, assim, à semiologia descrever cada mensagem contida nesses três diversos tipos de comunicação.
Independentemente de tais objectos haverem tido uma funcionalidade precisa, ilustrando uma espécie de guerra psicológica engendrada pela estratégia de Gideão (in Comentário Bíblico Moody, Vol. II, pág.55 ), podemos apreciá-los pelo seu conteúdo espiritual e pelo que podem, idealmente, representar na vida do crente.
Cântaros de barro
A Bíblia Sagrada apresenta uma metáfora para falar da criatura humana como um vaso de barro nas mãos do Oleiro. Nos livros de Isaías e de Jeremias lemos acerca do homem como barro e obra das mãos de Deus, também no plano colectivo como Deus modelou o povo de Israel, usando o exemplo de uma olaria; na epístola aos Romanos, Paulo escreve sobre nós próprios como vasos de barro para honra ou para desonra, na perspectiva de que o oleiro tem direitos sobre o barro. É mais claro ainda um texto determinante desta verdade, que o mesmo apóstolo Paulo recomendou aos crentes de Tessalónica (4.4), nomeando o corpo como vaso ( no grego,skeuos ). «Que cada um de vós saiba possuir o próprio vaso (ou corpo) em santificação ».
Mas, o vaso de cerâmica(ostrakinos) ou de barro é um continente, vale o que vale o seu conteúdo, metaforicamente. No plano espiritual é um receptáculo, no que concerne ao ego precisa, na perspectiva bíblica, de desvestir-se ou partir-se para que resplandeça a Luz interior, como sucedeu com os cântaros ou jarros para água ( chamados na Septuaginta ydrias, os ydrías kenàs, jarros vazíos) dos homens de Gideão. Muitos séculos depois, já na Igreja Primitiva, Paulo falava de que o conhecimento da glória divina fora entregue, qual tesouro, em vasos de barro ( os tais ostrakinois skeuesin) (2 Co 4.6,7) Esta «declaração surpreendente» de Paulo, explica como Deus para dar ao apóstolo o conhecimento da sua glória, lhe iluminou o coração, das trevas fez resplandecer a luz, lhe entregou um tesouro que é o Evangelho.
A Bíblia Sagrada apresenta uma metáfora para falar da criatura humana como um vaso de barro nas mãos do Oleiro. Nos livros de Isaías e de Jeremias lemos acerca do homem como barro e obra das mãos de Deus, também no plano colectivo como Deus modelou o povo de Israel, usando o exemplo de uma olaria; na epístola aos Romanos, Paulo escreve sobre nós próprios como vasos de barro para honra ou para desonra, na perspectiva de que o oleiro tem direitos sobre o barro. É mais claro ainda um texto determinante desta verdade, que o mesmo apóstolo Paulo recomendou aos crentes de Tessalónica (4.4), nomeando o corpo como vaso ( no grego,skeuos ). «Que cada um de vós saiba possuir o próprio vaso (ou corpo) em santificação ».
Mas, o vaso de cerâmica(ostrakinos) ou de barro é um continente, vale o que vale o seu conteúdo, metaforicamente. No plano espiritual é um receptáculo, no que concerne ao ego precisa, na perspectiva bíblica, de desvestir-se ou partir-se para que resplandeça a Luz interior, como sucedeu com os cântaros ou jarros para água ( chamados na Septuaginta ydrias, os ydrías kenàs, jarros vazíos) dos homens de Gideão. Muitos séculos depois, já na Igreja Primitiva, Paulo falava de que o conhecimento da glória divina fora entregue, qual tesouro, em vasos de barro ( os tais ostrakinois skeuesin) (2 Co 4.6,7) Esta «declaração surpreendente» de Paulo, explica como Deus para dar ao apóstolo o conhecimento da sua glória, lhe iluminou o coração, das trevas fez resplandecer a luz, lhe entregou um tesouro que é o Evangelho.
Lâmpadas
Iluminar, nos textos bíblicos em paralelo com a experiência histórica, não é apenas fazer claridade na escuridão.
Teologicamente, a iluminação é sobretudo fundadora do reino da Luz contra o reinado das trevas espirituais, assim como no aspecto da vida social e familiar quotidiana desses remotos tempos, a iluminação era conseguida através do fogo,em lâmpadas com azeite.
Na obscuridade, o exército inimigo seria confrontado com luz, o habitual medo do escuro funcionaria nesse episódio dos midianitas versus Gideão ao contrário, a luz repentina das tochas do outro lado iria aterrorizá-los.
Transportando tal experiência para o campo da vivência cristã, dir-se-á que tal episódio também marca a relação do crente com o mundo. Quando Jesus Cristo afirmou «vós sois a luz do mundo», foi mesmo isso que quis dizer, na decorrência da proclamação das Boas Novas que incumbe à mulher e ao homem cristãos. Portanto, o crente não é uma metáfora da luz, ele mesmo é portador dessa luz pelo novo nascimento. Paulo escreve aos Tessalonicenses que «sois filhos da Luz e filhos do dia», e, assim, o Dia do Senhor não apanhará o crente de surpresa.
Iluminar, nos textos bíblicos em paralelo com a experiência histórica, não é apenas fazer claridade na escuridão.
Teologicamente, a iluminação é sobretudo fundadora do reino da Luz contra o reinado das trevas espirituais, assim como no aspecto da vida social e familiar quotidiana desses remotos tempos, a iluminação era conseguida através do fogo,em lâmpadas com azeite.
Na obscuridade, o exército inimigo seria confrontado com luz, o habitual medo do escuro funcionaria nesse episódio dos midianitas versus Gideão ao contrário, a luz repentina das tochas do outro lado iria aterrorizá-los.
Transportando tal experiência para o campo da vivência cristã, dir-se-á que tal episódio também marca a relação do crente com o mundo. Quando Jesus Cristo afirmou «vós sois a luz do mundo», foi mesmo isso que quis dizer, na decorrência da proclamação das Boas Novas que incumbe à mulher e ao homem cristãos. Portanto, o crente não é uma metáfora da luz, ele mesmo é portador dessa luz pelo novo nascimento. Paulo escreve aos Tessalonicenses que «sois filhos da Luz e filhos do dia», e, assim, o Dia do Senhor não apanhará o crente de surpresa.
Trombetas de chifre
O toque das trombetas não foi um som de beleza, um sinal estético, foi um toque por impulso da urgência.A prática do povo com as trombetas de chifre era uma experiência de vitória. Foi um paradigma que não deveria ser mudado. O objecto de osso de carneiro lembrava este com substituto no sacrifício de Isaac.
Shofar, do hebraico, é um instrumento de sopro antiquíssimo, não produz sons delicados. Não é usado por prazer ou divertimento. Gideão usou as trombetas como uma sinalização, para marcar uma presença inesperada no campo da noite. O som poderia ter uma leitura semiótica, do nosso ponto de vista menos do que a leitura do significado do objecto.
Na obscuridade da acção o inimigo seria confrontado com um som e com a representatividade de uma nação, já que a trombeta era um objecto nacional dos israelitas.
A trombeta (shofar) não tem função em serviços religiosos nos dias de hoje. Contudo, na sua transposição metafórica para a Igreja, digamos que tem um substituto, do ponto de vista do que pode simbolizar. Como experiência no campo espiritual para os cristãos, a trombeta insere-se no plano do testemunho pessoal do crente, da sua nacionalidade e cidadania dos céus, da proclamação do Evangelho e da notícia que Jesus Cristo é Redentor. Noutro plano, se quisermos escatológico, o crente é um arauto da mensagem da Parousia, que assinala a próxima Segunda Vinda do Senhor, como anuncia o rapto da Igreja. #
O toque das trombetas não foi um som de beleza, um sinal estético, foi um toque por impulso da urgência.A prática do povo com as trombetas de chifre era uma experiência de vitória. Foi um paradigma que não deveria ser mudado. O objecto de osso de carneiro lembrava este com substituto no sacrifício de Isaac.
Shofar, do hebraico, é um instrumento de sopro antiquíssimo, não produz sons delicados. Não é usado por prazer ou divertimento. Gideão usou as trombetas como uma sinalização, para marcar uma presença inesperada no campo da noite. O som poderia ter uma leitura semiótica, do nosso ponto de vista menos do que a leitura do significado do objecto.
Na obscuridade da acção o inimigo seria confrontado com um som e com a representatividade de uma nação, já que a trombeta era um objecto nacional dos israelitas.
A trombeta (shofar) não tem função em serviços religiosos nos dias de hoje. Contudo, na sua transposição metafórica para a Igreja, digamos que tem um substituto, do ponto de vista do que pode simbolizar. Como experiência no campo espiritual para os cristãos, a trombeta insere-se no plano do testemunho pessoal do crente, da sua nacionalidade e cidadania dos céus, da proclamação do Evangelho e da notícia que Jesus Cristo é Redentor. Noutro plano, se quisermos escatológico, o crente é um arauto da mensagem da Parousia, que assinala a próxima Segunda Vinda do Senhor, como anuncia o rapto da Igreja. #
2 comments:
Texto complexo mas fantástico! O estudo e aprofundamento destes temas só nos podem ajudar a sermos melhores "arautos"...
Também nos abre a mente para outras realidades de culto cristão em que os objectos poderão ser, em si mesmo, um símbolo essencial no seu papel de aglutinação de ideias importantes para incentivar a acção do crente! É preciso ir mais longe na análise de certos rituais semióticos, poderei dizê-lo?, quando os mesmos consubstanciam, em si, um sinal profundo de procura de maior relacionamento com Deus...certo que sem a mente de um menino dificilmente entendemos as complexidades da Fé mas a verdade é que a circunstância de muitos os torna mais exigentes no que diz respeito à forma como a Fé lhes é apresentada e vivida...o intelectual que aprofunda certas realidades já se tornou muito exigente na forma como apresenta e vive a sua Fé...o processo de racionalização só o pode ajudar a aprofundar a sua Fé!..Os públicos são variados...as abordagens também...o importante é saber qual o "motor" que assiste a cada fenómeno: a sinceridade cristalina de procura de um maior relacionamento com Deus?
É importante manter a mente aberta no entendimento destas realidades do Velho Testamento pois ajuda-nos a compreender melhor as do mundo de hoje.....
Parabéns pelo texto que me apoiou nesta reflexão que me tem acompanhado nos últimos tempos e me ajudou a melhor compreender diferentes formas de abordagens da Fé Cristã!
Maria José Pereira
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