Sunday, January 17, 2010

Rondine al nido: Crónica p/Diário de Aveiro

Ingrata tarefa do escritor de crónicas que não pode introduzir no texto os discursos ficcionados, que são a torrente do rio calmo ou tempestuoso das suas personagens.
Tem que se limitar aos factos, os que estão no fundo da sua recordação, ou qualquer outro pedaço de ficção que a sua imaginação liga à realidade.
Sentado diante do computador, olha em vão o cinzento do dia que a janela lhe revela, ouve o som da chuva que inunda a primeira condição do vidro dessa janela, o silêncio frio, ouve o tamborilar das gotas na tijoleira da varanda, como na primavera ouve o arrulhar e o trissar das andorinhas.
Senta-se e socorre-se de um cd, que vem navegando pelo ar desde o Sony na voz do desaparecido Pavarotti que lhe canta, pela sala e pela casa fora, o Rondine al Nido.
O acto de escrever é feito de vários somatórios, ideia, música, facto, a notícia, a beleza - mesmo descontando o que poeta Rainer Maria Rilke disse, que o belo não é senão o começo do terrível, tudo se soma no acto de escrever uma prosa fiada ( classificou-a assim Vinicius de Moraes), uma prosa corrida sobre o que o mundo conhece.
O assunto não falta, é o momento.
Haiti, um país (se é que era um país), prefiro dizer a país uma casa, um lar pobre e empobrecido, que foi preciso submergir na catástrofe do chão para ser lembrado pelos telejornais e se falar em fait divers a par dos seus problemas. E agora estes são as pessoas, os velhos, as mulheres, os homens, as crianças em escombros.
O tópico é infalível, mas quero antes ligar esta prosa á canção napolitana que ouvia na voz do Luciano. O tema da canção era as andorinhas que regressam todo o ano, na primavera, menos aquelas que já não podem mais voltar.
E veio ao meu pensamento, a crónica das crianças, meninas e meninos, que já não regressaram da Escola. Esperaram aqueles que tiveram a dita de estar vivos, esperaram em vão mas elas não vieram.
O regresso não teve mar bilhante nem Ítaca nem Penélope. Andorinhas a quem o sol secou as asas no pó do chão. As varandas estão desertas. O silêncio ao redor não é o do céu azul das Caraíbas, nem bate já com as asas das aves. Jamais se poderá beijar os cabelos crespos do filho ou filha que a escola para sempre escondeu.
16/01/2010

1 comment:

Dionísio Dinis said...

Pois é, haiti e deus andam às avessas faz muitos e muitos anos, prezado amigo.Culpas ou desculpas, a carapuça serve tanto aos poderosos como até aos desvalidos.Curial a intenção da sua escrita sobre esta triste realidade.

Abraço fraterno.