CONTO
inédito publicado Aqui, em A Ovelha Perdida
Quando abriram a porta da cela, restos do seu nome ainda entraram, uma luz alimentada a azeite num facho e a mão temerosa do legionário romano. O nome tornara-se popular naquela manhã. Mas como nada sabia do que se passava lá fora, estranhou o que lhe pareceu ser o seu nome gritado – Bar…rra…abaas – e o que o soldado lhe atirou à cara:
-Barrabás, vais ser libertado- grunhiu o romano.
Entre a ocupação romana da Judeia e a resistência, com actos terroristas, Barrabás significava medo, rudeza, ideal que não olhava ao sangue derramado, quando o nome se pronunciava. Para os judeus era uma espécie de herói. Quem não o conhecia, só lhe conhecendo o nome, imaginava-o um homem de rosto agreste, barba emaranhada e comprida, olhos de fogo.
Mas Barrabás, era belo. A sua tez morena, as linhas judias do seu rosto, o nariz adunco, os seus olhos
esverdeados.
A sua voz, como a voz de um agitador político, estava afeita às esquinas, dava sons às sombras furtivas, ouvia-se Barrabás e ficava-se com a fortaleza das suas convicções.
- Os romanos para fora da nossa nação! – eram palavras educadas, mas lia-se a violência que era capaz de cometer para que a frase tivesse sentido. Além disso, falava como toda a gente que tinha certezas ao cabo de uma luta de anos.
Quando olhava para as mulheres, evidenciava uma grande timidez, que contrastava com o seu porte. Baixava os olhos em sinal de respeito e falava contidamente. Não se sabia se casara algum dia ou não. Não era velho. Como qualquer revolucionário preferia viver a solidão.
A revolução era a sua vida. Gostava dos essénios, da sua brancura, apesar de serem religiosos; partilhava mais com os zelotas. Dizia-se que era um homem próximo de quem liderava esse movimento político. Mas não gostava de fariseus, tolerava os saduceus, porque faziam política. Os actos revolucionários, os actos extremos até ao terrorismo não se compadeciam com pensamentos
sobre outra vida que não a presente, não cria na ressurreição. Cria na acção.
-A vós não vos falta nada – dizia aos romanos. – Nós, os judeus, é que estamos à míngua, só
apalpamos a terra, e a terra é nossa.
Estas palavras não eram bem entendidas pelos legionários, mas percebiam a rigidez do rosto e a força dos lábios a triturar as palavras de Barrabás. Com eles não era acanhado.
Barrabás lembrou-se de tudo isto, quando vieram abrir-lhe a porta da cela. Nem ouviu o ranger dos ferros que lhe levavam os alimentos. Não teve nenhuma reacção. Só nos corredores do Pretório o sangue começou a ebulir. Começou a entender o vozeario, inesperado àquela hora tão matutina. Já nas ruas de Jerusalém, quando se afastava da Torre António, e de todo aquele tumulto, percebeu a manipulação da multidão e deu-se conta de que os seus crimes tinham sido pagos por alguém. Por um substituto.
Da última vez que se ouviu falar de Barrabás, tinha voltado para Cafarnaum.
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