Sunday, March 22, 2009

Nota ao texto "Salmo 121 Uma Superabundância"

Observação do meu amigo dr.Rui Miguel:
«Cumprimento-te e saúdo-te pela análise enriquecedora e múltipla (literária, psicológica, histórica e cultural, um pouco retórica também) do Salmo. Lembro-me de ter lido, embora me não lembre onde, que os montes aos quais o Eu declara erguer os seus olhos poderiam ser alusão a ídolos pagãos erigidos nos altos pelos vizinhos dos Israelitas e Judeus e também por estes (ver livros de Reis e Crónicas), e que de quando em vez um rei temente a Deus mandava destruir. (...)
Que dizes? »

- Rui Miguel Duarte ( http://www.neaktisis.blogspot.com/)
Amigo Rui Miguel, interessante essa tua hipótese de abordagem com contextualização na história da idolatria pós-mosaica e na própria tradição litúrgica dos judeus/congregações judaicas.
A linha de hermenêutica a seguir, na explanação do Salmo 121, não é estanque. Na mente do salmista que criou este cântico, pode bem ter havido também a alusão crítica, diríamos hoje subliminar, aos idolos dos altos, aos ídolos-postes, da idolatria israelita que considero pós-mosaica.

Os montes no ideário teológico e poético dos judeus, segundo o Livro das Orações, o Siddur (que significa ordem), representavam por outro lado, o lugar por onde passa o Amado, que vem chegando (na súplica dessa oração pela ordem sequêncial disposta no livro).

Há também quem ligue hermeneuticamente este salmo à intervenção miraculosa de Deus no campo de batalha que levou os egípcios a fugir, na idade contemporânea, digo década de 60, aquando da célebre Guerra dos 6 dias. Esses inimigos modernos seriam montes a rodear o pequeno espaço de Israel.

1 comment:

rui miguel duarte said...

João Tomaz,

Muito grato pelo comentário ao poema dedicado a Demóstenes, que a lenda (ou história?) descrevem como de má dicção e que venceu a deficiência discursando nas praias com seixos na boca, tendo-se tornado o vigoroso de verbo e ideia, incansável, eloquente e artista orador que a posteridade celebrou, campeão da luta contra o imperialismo macedónio de Filipe II (pai de Alexandre Magno). A "força (sthenos) do povo (demos)" é o significado em grego do seu nome, a Coroa é a honra dada pelos Atenienses pelos bons ofícios prestados à pátria e que defendeu num discurso com esse nome.
A voz de pedras será alusão natural aos seixos que o moldaram, é dureza da prova e da formação, mas transcende-se para a própria natureza da eloquênca, dura quando necessária.
E não posso deixar de agradecer pelo eco ao comentário que fiz à tua análise do Salmo 121. Fica mais do que claro que a "hermenêutica não é estanque". O texto bíblico pode ser polissémico (como outro literário) e nem por isso menos divinamente inspirado. Trata-se de poesia.
Deus, quando fala, nem sempre é absolutamente "estanque" nem óbvio. Por vezes, deixa claramente para nós, munidos dos artefactos e códigos de hermenêutica humanos e do Espírito, o trabalho de ler, de interpretar, de descobrir.
E de nos deixarmos interpenetrar pelo texto e sua mensagem (no caso vertente, a súplica ansiosa e esperançada).