Friday, September 25, 2009

A Cor da Rua Azuza, 312

A chama do Pentecostalismo, que deflagrou na Rua Azuza nº 312, e que a revista Life classificou assim como o 68º acontecimento do Século XX entre 100, foi um dom cristológico. Novamente a dunamis do Espírito Santo com idênticas características fundamentais das relatadas nos Actos dos Apóstolos.

Contudo, não deixou de ser também um fenómeno sociológico. Conduzindo a um avivamento espiritual, carismático, levou os crentes a quebrarem as barreiras rígidas da segregação racial.Se tivéssemos que estruturar uma sociologia da cor para o Movimento Pentecostal que (re)começou há precisamente um século (14-4-1906) naquela rua dos subúrbios de Los Angeles, do ponto de vista histórico, diríamos que o mesmo se mostrou a duas cores. O branco e o negro. Os reverendos Charles Fox Parham, metodista e reitor do Bethel Bible College, e William S.Seymour, respectivamente.

Os elementos afro-ariano-semita, forjados na ainda jovem mistura americana estavam a fazer a primeira explosão religiosa pentecostal e a criar um movimento clássico, com um sinal estatístico bem definido e claro, o da multiplicação.

A verdade foi que «pessoas de cor e uma pequena quantidade de brancos formaram essa congregação do nº 312 de a Rua Azuza» , podia ler-se há 100 anos no chamado Times de Los Angeles, na costa Leste também a notícia chegou e o The New York American, de 3 de Dezembro do mesmo ano 1906, escrevia que «um novo movimento religioso, formado por negros e brancos, estava a começar. A tradição metodista estava sendo misturada à religiosidade popular dos negros ».

O facto de os jornais locais, com especial mediatização no Los Angeles Daily Times, de 18 de Abril, chamarem a atenção para essa mistura racial colorida, levava mais longe a verdadeira natureza do fenómeno espiritual da chamada glossolalia, e, assim, não tiveram outras parangonas jornalísticas para usar senão «Weird Babel of Tongues» (Estranha Babel de Línguas).
Para a sociedade do início do século XX o que estava a acontecer, resumia-se a tal. Porém, não foi em vão que mulheres, homens e crianças de raças e culturas diferentes estavam a comungar da mesma Fé e dos mesmos charismas espirituais e o baptismo com o Espírito Santo, sendo evidente o sinal dos crentes falarem línguas estranhas.

O que alguns teólogos anglo-saxónicos, posteriormente, se referiram como «A Terceira Força do Cristianismo» (Christianity’s Third Force ), começou por ser, sob o poder de Deus, a entrega religiosa colaborativa de negros e brancos mais importante do século. Esta colaboração vinda de todos os lugares para aqueles três dias e três noites na 312 Azuza Street, fez mais pelo Mundo do que qualquer concílio mundial de igrejas ou movimento ecuménico.

O aspecto da não-discriminação racial é importante, sem dúvida, para caracterizarmos e estruturarmos o enorme crescimento do Pentecostalismo, que alguém já classificou como «a religião do coração».

Com efeito, mesmo referindo-se com algum criticismo «à mescla de brancos e negros em frenesim religioso», os jornais locais não puderam ignorar algo maravilhoso e fundacional, a comunhão interclassista e inter-racial dos primeiros cultos do movimento pentecostal.«As pessoas respeitáveis - como lhes chamava o Times da cidade de Los Angeles- que se tinham misturado com os negros vociferantes», reafirmaram no início do século o que Paulo havia escrito nos anos 50 A.D., com alcance universal, transcultural e multi-étnico, aos crentes da Galacia: «Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.» (3,28).

Os excessos religiosos sobrevieram depois, em ambas as comunidades brancas e negras. Bater com os pés no chão, tremer, gemer, gritar, rolar pelo soalho.

O escritor Erskine Caldwell relata na biografia do seu pai, Ira Sylvester Caldwell, pastor da Igreja Presbiteriana Reformada, o que foi a mudança dos hábitos calvinistas e fundamentalistas do velho Sul para o sério movimento da glossolalia. Salienta em «Os Mil e Um Sinos do Sul», assim se chama a obra, a intolerância racial segregacionista que impedia ainda que igrejas «construídas para brancos fossem conspurcadas por gente cuja pele não era de um branco indubitável». Mas sublinha, por outro lado, como os costumes religiosos desse tempo - os primeiros vinte anos do Século XX - foram alterados pela adoração informal a Deus, pela simplicidade revestida do Poder divino dos sermões «des-intelectualizados», pelo « murmúrio ininteligível da glossolalia ou da Língua Desconhecida, numa explosão de arrebatadas orações individuais, pronunciadas por toda a congregação », que se espalhavam já pelas igrejas, designadamente Assembleias de Deus, Igreja de Deus, Igreja do Nazareno, Igreja do Pentecostes, etc.etc. e até por algumas denominacionais reformadas.

O percurso do livro citado não refere explicitamente a Rua Azuza, uma vez que se radica à história religiosa protestante do Sul dos Estados Unidos, mas é óbvio que se estrutura no Movimento Pentecostal iniciado na California e que incendiou, no princípio do Século XX, toda a América do Norte e do Sul e a Europa nórdica.
E o que hoje representa o Movimento Pentecostal no mundo, será credor do mesmo juízo que nos idos de 1958 a já citada revista Life escrevia: «é o movimento cristão de mais rápido crescimento no mundo actual, dotado de tanto dinamismo que se ergue, juntamente com o catolicismo e o protestantismo histórico, como a terceira força da cristandade».

1 comment:

Unknown said...

Bom artigo. Gostei da ênfase dada à interracialidade em Azuza Street. E é pena que essa largueza de espírito, ou tolerância, ou aceitação do Outro, deixasse de ser há muito uma característica pentecostal (ou denominacional em geral), por aquilo que conheço.
Quanto à terceira força, receio que de 1958 para cá a revista LIFE (a existir ainda)teria que fazer um up-grade da sua análise. É que as coisas hoje estão muito mais confusas, no mundo religioso, com o surgimento dos carismáticos e, mais recentemente, dos neopentecostais.
Grande abraço.

Brissos Lino