Saturday, March 28, 2009

Convenções: um nome para a Unidade

1ª Convenção de Obreiros das Assembleias de Deus em Portugal, 1939
Fotografia original do arquivo histórico de JTP


Paulo sabia que a unidade era um vínculo nos alicerces do cristianismo.
O apóstolo queria que as igrejas locais estivessem firmes em um só espírito, como uma só alma(Fl.1,27). Só assim, lutando juntos, o que chamou de «fé evangélica» se edificaria e manteria.
Nas relações humanas, sociais e religiosas entre os crentes, digamos assim, nada estava fora do alcance deles, nada se situava noutro mundo. «Rogo a Evódia, e rogo a Síntique que pensem concordemente, no Senhor»- esta recomendação traz Paulo ao domínio do quotidiano dos crentes em Filipos.(4,2)

Pensar concordemente, pensar o mesmo, orientar a visão para um objectivo comum, fortalece as igrejas locais, é também uma função das Convenções. Têm de igual modo uma função fundadora e, por isso mesmo, impulsionadora.

Nos dias 18 a 22/8 de 1921, em Belém do Pará, realizou-se uma primeira Convenção Regional das Assembleias de Deus nesse Estado. O objectivo prioritariamente missionário dessas AD, já levara por diante o seu escopo ao enviar de Belém para Portugal o pioneiro pr.José de Matos. Já antes o haviam feito, enviando em 4 de Abril de 1913 o primeiro José, o missionário Plácido da Costa- “um português abridor de caminhos para o Evangelho”.
Em Portugal, Lisboa hospedava a sua também primeira Convenção de Obreiros para ajudar a preparar os obreiros existentes vocacionados para expandir a Obra de Deus e o Movimento Pentecostal a partir desse ano de 1939. A mesma incluia aqueles referidos obreiros consagrados do outro lado do Atlântico. E naturalmente os missionários oriundos do norte da Europa, principalmente o casal Ingrid e Tage Stahlberg.
As Convenções de Obreiros ( para se distinguiram das grandes Convenções Anuais de verão que se realizavam ainda na década de 50 em Nyhem, na Suécia) (1), constituiram-se dessa forma como algo oposto aos conclaves fracturantes, onde cada pessoa leva a sua «ideia». Não há moções, como no mundo da política partidária, porque o que é suposto unir, pode também fracturar. Ao invés, deve haver «assuntos de ordem prática e espiritual e de palpitante interesse»- como escrevia há 50 anos o pr.João S.Hipólito, em “Novas de Alegria” de Julho de 1958.
Esta peça jornalística, que a revista NA trouxe a lume naquela data, relatando o que foi a Convenção Pentecostal, realizada em Lisboa, na sede da Assembleia de Deus local, nos dias 7 a 14 de Maio, amplia-nos a visão hoje, passado meio século, sobre a importância que têm as Convenções de Obreiros. E como o Movimento Pentecostal se foi edificando, nas suas estruturas eclesiais - ligando o conjunto de igrejas autónomas locais - e teológicas- preservando as doutrinas bíblicas e o pensamento pentecostal, conforme o Novo Testamento.
A Convenção não mudou paradigmas, ela própria era substantivamente o paradigma da unidade das Assembleias de Deus.
Essa foi, por outras palavras dessa época, no tempo do princípio, a conclamação geral do nosso Movimento apontando o caminho da Unidade. Por isso afirmamos que Convenção é nome da Unidade, do que é multiplo mas tende a afirmar-se único e integro, no contexto do Movimento Pentecostal das Assembleias de Deus – as igrejas locais. Foi para prosseguir o estabelecimento deste princípio e desejando conservá-lo para o futuro, certamente, que saiu um artigo no página Ecos Redactoriais da revista «Novas de Alegria», nº 185, de Maio de 1958, sob o título “A Convenção”.
Alguns parágrafos. Na década de 50 «O verdadeiro Movimento Pentecostal é um vivo protesto contra toda a forma de mundanismo, modernismo, clericalismo.(...) Dentro da “Assembleia de Deus” como commumente é designado o Movimento em Portugal, há uma verdade bíblica de imenso valor: a independência e a integridade da igreja local.» « Não é numa Convenção que se determina o futuro da Obra. Há coisas indispensáveis que necessitamos ventilar, e unidos podemos fazer melhor do que separados, por exemplo no que diz respeito à nossa literatura, missão, etc., mas não é das atribuições da Convenção determinar sobre estas coisas. O alvo da Convenção é mais espiritual, para não dizer absolutamente espiritual.»
Tratou-se de uma peça jornalística vigorosa e inspirada. E à distância de meio século, parece-nos contudo um artigo datado. Se não vejamos, numa análise de conteúdo objectiva.
. Autoria do texto. Surge em bom rigor jornalístico como sendo um redactorial, implicava o director de NA. É um artigo de fundo não assinado. Todavia, pela “ficha técnica”, a direcção espiritual da revista estava a cargo do pr.Tage e a «formal» do pr.Alfredo Machado.
Comparativamente a outros escritos, sobretudo o livro «O Mistério dos Desaparecidos»(2), inclinamo-nos para a autoria de Tage Stáhlberg. Este entendia que designações denominacionais “não eram penhor de preparação para a segunda vinda de Cristo” ( pág. 64). Neste clássico sobre o arrebatamento da Igreja, no contexto desse acontecimento Tage escreveu «Não havia Baptistas, nem Metodistas, Congregacionalistas nem Pentecostais, etc., havia apenas Crentes».
. O corpo do Texto. Num tom de autoridade, o artigo valoriza a igreja local, a sua autonomia desde que implementada num crescimento equilibrado e harmonioso dentro do ensino inspirado pelo Espírio Santo ao apóstolo Paulo. «Qualquer igreja local tem de verificar se a sua actividade está de harmonia com o Novo Testmento».
Considerava-se que o Movimento estava no meio de um Avivamento, como referem as notas do pr.Tage coligidas pelo nosso saudoso amigo pr. Carlos Baptista(3). «Nós temos a ousadia de dizer que o avivamento chegou a Portugal com os primeiros missionários pentecostais» (Pág 67) . Avivamento não anda desligado da harmonia. Para esta harmonia – refere o histórico redactorial-, «que é uma das condições para o progresso espiritual da igreja local», os «chamados Pentecostais» deveriam ter em conta a necessária e concludente realização da «nossa Convenção».
Desta valorização da assembleia de obreiros, pastores, evangelistas, anciãos idóneos, segundo o autor do texto, surge a proeminente razão da escrita do artigo. «Portanto, amigo e irmão pastor ou evangelista: ora ferverosamente pela Convenção, prepara-te como se fosses o único orador e vem, no poder do Espírito Santo, reunir-te connosco na luta contra o mal! Esperamos grandes coisas da parte do Senhor». O redactorial em apreço, estruturou-se numa estratégia espiritual e prática, teve a oportunidade de sair no exacto número de NA coincidente com a realização desse evento.
Curiosamente, diga-se que havia até um carácter «ecuménico», uma vez que as Convenções eram «francas não só para Obreiros das Assembleias de Deus, mas para cada pastor que deseja estudar e penetrar mais na Bíblia».
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­_____________________________________________________________
História das Assembleias de Deus no Brasil, Emílio Conde, 1960
(1)-“A Visit to Scandinavia”, The Pentecostal Evangel, nº 23, 18/5/1951
(2)-Edição da Assembleia de Deus, Lisboa, (3ª), s/d
(3)-Milagres de Deus em Portugal, Edições NA, 2002

Sunday, March 22, 2009

Nota ao texto "Salmo 121 Uma Superabundância"

Observação do meu amigo dr.Rui Miguel:
«Cumprimento-te e saúdo-te pela análise enriquecedora e múltipla (literária, psicológica, histórica e cultural, um pouco retórica também) do Salmo. Lembro-me de ter lido, embora me não lembre onde, que os montes aos quais o Eu declara erguer os seus olhos poderiam ser alusão a ídolos pagãos erigidos nos altos pelos vizinhos dos Israelitas e Judeus e também por estes (ver livros de Reis e Crónicas), e que de quando em vez um rei temente a Deus mandava destruir. (...)
Que dizes? »

- Rui Miguel Duarte ( http://www.neaktisis.blogspot.com/)
Amigo Rui Miguel, interessante essa tua hipótese de abordagem com contextualização na história da idolatria pós-mosaica e na própria tradição litúrgica dos judeus/congregações judaicas.
A linha de hermenêutica a seguir, na explanação do Salmo 121, não é estanque. Na mente do salmista que criou este cântico, pode bem ter havido também a alusão crítica, diríamos hoje subliminar, aos idolos dos altos, aos ídolos-postes, da idolatria israelita que considero pós-mosaica.

Os montes no ideário teológico e poético dos judeus, segundo o Livro das Orações, o Siddur (que significa ordem), representavam por outro lado, o lugar por onde passa o Amado, que vem chegando (na súplica dessa oração pela ordem sequêncial disposta no livro).

Há também quem ligue hermeneuticamente este salmo à intervenção miraculosa de Deus no campo de batalha que levou os egípcios a fugir, na idade contemporânea, digo década de 60, aquando da célebre Guerra dos 6 dias. Esses inimigos modernos seriam montes a rodear o pequeno espaço de Israel.

Monday, March 16, 2009

Pré-Publicação: Salmo 121 Uma Superabundância (II)


No Salmo 121 há vários diálogos, do autor(viajante/peregrino) consigo próprio, do autor com Deus e, depois, de uma terceira Pessoa que entra no discurso do Salmo, quando deixamos de ler o pronome pessoal eu e passamos para um ele.

Nos versos 1 e 2: Elevo...me...o meu ; depois o verso 3, onde uma segunda pessoa fala da terceira: Não deixará vacilar o teu pé: aquele que te guarda não tosquenejará.
O diálogo, por assim dizer, estabelecer-se-ia assim: o Eu(a 1ª pessoa): -Elevo os meus olhos... De onde me virá o socorro?; o Tu(a 2ª pessoa):- Ele (o Senhor, a 3ª pessoa) não deixará vacilar o teu pé.
Esta voz que o salmo introduz, do ponto de vista da inspiração bíblica, só pode ser a voz do conforto do Espírito Santo a revelar o cuidado do Deus de Israel; testemunhando a verdade de que «O Senhor é quem te guarda».

Uma abordagem psicológica
A história de uma alma, do tipo psicológico da personagem do Salmo, o modo como cruza os olhos físicos pelas problemas e provações e os olhos espirituais, dirigidos a Quem pode ajudá-lo.

Olhar para os montes, donde se pode inferir o olhar para as dificuldades emergentes, em síntese, o olhar para dentro de si próprio, e o olhar para o Senhor. Um dia, lemos que o salmo 121 é o dos olhares. Joseph Ratzinger, já Papa, disse-o doutra forma, paralelamente acerca do 123: «O Salmo, que acabamos de proclamar, encerra -se numa troca de olhares: o fiel eleva seus olhos ao Senhor e aguarda uma reação divina, para colher o gesto de amor, um olhar de benevolência».
Compreendemos que o olhar do salmista(peregrino) seja lançado para as dificuldades, os montes que o esperam, e que terá de passar, caminhos estreitos, precipícios engolidores embora de beleza atraente, até chegar ao Templo em Jerusalém, às festas sagradas.
Ora é aqui perante a história de uma alma que nos colocamos.
Quando olha para os montes, que estavam colocados entre a sua tenda e o Templo, parece titubear, as estradas eram penosas, corria-se o risco de uma quebra da vontade e, até, da solidariedade com os outros irmãos quando juntos subiam a Jerusaém, esse olhar era para fora.

O olhar para dentro da própria alma, o tornar a si na linguagem de Jesus sobre o Filho Pródigo, era o olhar galvanizador. O olhar para dentro de nós próprios vai buscar alento à alma, ao que a alma sabe sobre o nosso Deus e Pai, que o salmista conhece ser o: Senhor que fez o céu e a terra.

Tuesday, March 10, 2009

A dúvida de Godot

A revista Newsweek, em 14/11/1988, exactamente há vinte anos, fazia a recensão crítica da peça À Espera de Godot, então levada à cena na Broadway e protagonizada por dois geniais actores, Robin Williams e Steve Martin.

Não sendo a Newsweek uma revista literária, nem do pensamento filosófico, não foi porém surpresa ler que o texto de Samuel Beckett era a mais famosa peça do século.
Designadamente pelas alegadas interpretações sob o prisma da Bíblia, de Freud, de Jung ou do Existencialismo. Sobretudo deste, segundo o qual há questões com as quais todos temos que lidar, como o significado da vida, a morte, e o lugar de Deus na existência humana.

Talvez tenha sido surpreendente, sim, ler os questionamentos que o articulista e crítico teatral colocava sobre o significado da personagem, uma espécie de deus ex-machina que nunca aparece em cena, Godot.

Perante a espera do misterioso Godot, perguntava-se se seria Deus? A Morte? A oferta de emprego?

Tendo chocado audiências no início da década de 50, inquiria-se se não seria outro o significado, se Godot não era um conceito, uma «espécie de Ocidente», que perante as ruinas da 2ª Guerra Mundial e dos escombros éticos e morais que o nazismo deixara, não seria um retrato moral da humanidade em crise e, aparentemente, sem respostas? Seria hoje a espera do fim da crise, que, como todas as demais grandes crises, incuba uma plêiade de gurus, sacerdotes da economia, da política, com litanias próprias?

Supostamente, a peça apresentava ao mundo ocidental, que este estava estruturado no desconcerto de uma máxima beckettiana: «Não há nada no mundo mais cómico do que a infelicidade», ou mesmo na frase inicial da peça «Nada a fazer», que exprime o começo da desistência da personagem Estragon.

De tudo o que se pode tirar dessa peça teatral chamada «À Espera de Godot», do fôlego inoperante das suas duas personagens principais, de todas as propostas e teorias, passíveis de serem apropriadas pela nossa ética judaico-cristã, católica e protestante, temos muito mais a dúvida de uma procura, que está disfarçada de «espera».

Nesta peça do absurdo, considerada a mais significativa de Samuel Beckett, não se espera, como tudo leva a crer, mas, sim, procura-se.

As personagens procuram conhecer quem é ou o que é esse Godot, o qual esperam, numa repetição dos dias, inúteis e sem sentido ou sem esperança como no trabalho de Sísifo. Uma tarefa que a literatura dita ateísta não descarta e assume como unhope, palavra significativamente utilizada pelo poeta Thomas Hardy, que escreveu um poema (In Tenebris ) sobre a desesperança:

Negra é a noite de enfrentar; / mas a morte não vai desconcertar / aquele que, sem a menor dúvida, / espera na desesperança.


Esperar sem esperança é, na sua essencialidade, esses dois dias consecutivos nos quais um par de homens patéticos afirmam pelas palavras e pela mímica esperar um ausente, que se chama Godot. Do mesmo modo que hoje, a Europa, a América, a Ásia, esperam alguma coisa no meio da Crise Económica e Social.

(Crónica para o Diário de Aveiro)

Saturday, March 07, 2009

Eu pauso


Porque hoje é sábado
eu pauso
e me disponho
para o descanso
sem culpa

amanhã, que é domingo
descansarei nas margens
do rio calmo
na casa do Pai.
(Brissos Lino)

Wednesday, March 04, 2009

Pré-Publicação: Salmo 121 Uma Superabundância

Blockquote

Constatação e dúvida, seriam os dois momentos iniciais deste salmo, se se tratasse apenas de um género composicional, uma criação literária. Mas a superabundância dos elementos que possui, histórico-bíblicos e da poesia hebraica, inspirada, do Saltério, abre-nos algumas janelas sobre uma paisagem de esplendor.

Elevo os meus olhos para os montes:
De onde me virá o socorro?


Porém, enquanto leitores de fé na Bíblia e submissos à mesma, todo o conteúdo do Salmo 121 exclui logo a dúvida, pelas beleza e doçura da presença do Senhor no caminho dos remotos peregrinos. Presença extensível aos cristãos peregrinos da vida de hoje a caminho a Pátria Celestial.
E a razão está no enunciado desse texto poético bíblico, que segundo a ciência da análise e interpretação da obra literária, se chama a anunciação do Eu, no caso bíblico, a anunciação do Eu salvador.

O meu socorro vem do Senhor
Que fez o céu e a terra.

Todos admitimos que é uma «peça lírica»(1) pertencente a um grupo especial dos Salmos, os Cânticos dos Degraus ou de Romagem.
Sabemos, sobretudo, que estes são na estrutura temática canções de celebração ao Senhor e de confiança no Deus de Israel, que acompanhavam os peregrinos na sua romagem à Casa do Senhor, em Jerusalém. Com efeito, são na sua estrutura esquemática uma narrativa cujo discurso é teológico.

O diálogo no Salmo
Ao analisar o seu discurso, temos ao dispor um instrumento chamado dialogia. Estuda o diálogo que existe num texto capaz de dar vida aos argumentos do mesmo. Os criadores desta figura, o dialogismo, Mikail Bakthine e Júlia Kristeva, chamaram a esse recurso a polifonia do texto. A interação de todas as palavras dentro do texto. As diversas vozes que estão no texto do salmo, dão-lhe sentido.

(.../...)