Brissos Lino
“Com os protestantes, por exemplo. Eles reuniam-se numa pequena casa no cimo da vila, por detrás do quartel. Não tínhamos nada contra eles, sabíamos vagamente que eram diferentes e não resistíamos à tentação de os provocar. Mas um dia o meu pai soube e bateu-me. Foi das poucas vezes que o fez. Quem não respeita os outros não se respeita a si mesmo, disse. E estava muito zangado.”
(Manuel Alegre, Alma, p.114, ed. Leya, Lisboa, 2008)
(Manuel Alegre, Alma, p.114, ed. Leya, Lisboa, 2008)
Neste romance de Manuel Alegre (“Alma”), publicado pela primeira vez em 2001, o escritor português recupera memórias de infância à volta do ambiente social e político da sua terra, Águeda, aqui representada por uma pequena cidade de província denominada Alma.
As tensões monárquicos-republicanos, num primeiro momento, e depois Estado Novo-reviralho, traçam a história das gentes da terra, a partir do seu imaginário infantil, numa narrativa ao estilo da dinâmica autobiográfica.
Sem querer, o autor acaba por traçar um retrato simples mas profundo de uma nova realidade à época, o surgimento de pequenas comunidades de fé protestante no interior do território luso, apenas num pequeno parágrafo.
Sobretudo, interpreta com mestria um misto de estranheza, algum receio da diferença e antagonismo embrulhados nalguma desconfiança, uma caldeirada de sentimentos populares que então os protestantes despertavam no povo, independentemente da sua condição social.
Desde logo pelo facto de se reunirem em casas comuns e não templos construídos de raiz, devido às dificuldades da lei, que não permitia outros espaços dedicados ao culto religioso com fachada directamente para a rua, a não ser templos católicos, mas também pelas óbvias dificuldades económicas de quem não podia contar com nenhuma ajuda das entidades públicas e estava limitado pelas leis e pela governação quanto a possíveis acções públicas de promoção e divulgação da sua fé.
Depois porque, não se podendo dar a conhecer abertamente, eram vítimas da desconfiança geral de um regime que não era tolerante e de uma sociedade que não era democrática.
Acontece que esta situação foi muitas vezes agravada pela animosidade dos sacerdotes que, em muito lugares, tudo fizeram para virar o povo contra esses tais “protestantes”, acusando-os, de forma injusta e patética, de serem “comunistas”, “maçons” ou antipatriotas”. Para já não falar das estórias mirabolantes que se inventavam sobre os seus actos de culto.
Acontece que esta situação foi muitas vezes agravada pela animosidade dos sacerdotes que, em muito lugares, tudo fizeram para virar o povo contra esses tais “protestantes”, acusando-os, de forma injusta e patética, de serem “comunistas”, “maçons” ou antipatriotas”. Para já não falar das estórias mirabolantes que se inventavam sobre os seus actos de culto.
“Não tínhamos nada contra eles”, afirma o protagonista da estória, “mas sabíamos vagamente que eram diferentes”. E por isso mesmo “não resistíamos à tentação de os provocar”, adianta. Embora isto se passe com crianças e se trate de literatura de ficção, não deixa de ser uma marca de intolerância, de falta de aceitação da diferença, de falta de respeito pelo Outro que caracterizavam a sociedade portuguesa da primeira metade do século vinte.
O que vale é que o pai do menino Duarte Faria era um homem de princípios e lhe deu uma grande lição de vida, porque percebeu que o petiz necessitava de aprender a respeitar-se a si mesmo. E a melhor forma de o fazer era através dos outros. Por isso fez questão de lhe explicar bem a ideia, através de palavras, mas sem prescindir ainda de uma preciosa ajuda pedagógica: chegando-lhe a roupa ao pêlo…
2 comments:
Muito bonita a fachada desta igreja... Será concerteza a Igreja Evangélica Metodista da Praça Coronel Pacheco no Porto...
...e já agora com respeito a Manuel Alegre e a Agueda... foi nessa cidade que a minha familia (por intermedio do meu pai) nasceu para o evangelho
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