Wednesday, February 25, 2009

Botas e Carpins


Aí por meados do ano 1946, em Lisboa pelo menos, não imagino a revista TIME, Vol. XLVIII, nº 4, de 22 de Julho, a seguir pelas ruas da Baixa, debaixo do braço dos transeuntes sem pressa porque não havia Metro a apanhar.


Não imagino mesmo leitores nas pastelarias do Rossio a comentar o artigo editado na secção Foreign News-Portugal, «How Bad is the Best?» e a olhar para a capa, na qual ao lado de uma maçã podre olhava de soslaio o decano dos Ditadores, Salazar.

A peça jornalística de meia dúzia de páginas relatava o princípio do Estado Novo até àquela data, e a pergunta «como o mau é o melhor?» era óbvia. Naquele Portugal melancólico e empobrecido, rendido ao Homem que livrara a Pátria da Segunda Guerra, mas que fora suficientemente cínico para entristecer o país com a notícia da morte de Hitler, não estou a imaginar outra coisa senão o silêncio.

Não imagino mesmo que, apesar de ser a primeira capa sobre Portugal que a Time publicava ( a segunda seria em 1975 com o medo do país se tornar comunista), o povo fosse agradecer em manifestação até S.Bento por Salazar nos ter proporcionado essa celebridade.

O facto é que começando a ler o artigo, se veria logo que a coisa seria objectiva e muito crítica. Embora nos primeiros parágrafos, a definição moral e o retrato psicológico do ditador o referenciassem como «modelo de rectidão».

Seguia-se depois para a inevitabilidade desse meio século de tristeza nacional: o desequilibrio dos orçamentos familiares das famílias portuguesas, o crescimento da tuberculose, os 5.800 casos de doença mental, o baixo índice da educação «apesar de Salazar ser um professor», a Oposição( o M.U.D.), o medo de Salazar do caos, «a justificação tradicional dos ditadores», que abriu caminho a cada vez mais restrições e medidas «contra os possíveis rebeldes». Mas, também, coisas positivas: desde logo o restabelecimento do equilibrio financeiro do deficit da nação, em 68-70 anos de deficits antes de 1928, os barcos de aluguer no Lago de Palhavã, o equivalente ao hot-dog americano, a sardinha assada e as «song of fate»( o fado), ou mesmo o Rossio ter sido equiparado à Times Square.

Mas o que interessaria aos leitores portugueses, estou a imaginar, eram sem dúvida as «mulheres no jardim», do Presidente do Conselho.
O facto mais significativo acerca da relação de Salazar com a Condessa Carolina Asseca, é que nem sequer a mexeriquice portuguesa, nem os milhares de inimigos de Salazar, sugeriram que a Senhora fosse sua amante. – Há distância de 60 anos, era esta também a outra tónica do artigo, na parte do texto que versava este assunto no âmbito da vida privada do Presidente do Conselho e do decano dos ditadores da Europa.

Ora foi uma «cópia» dessa revista que a recente mini-série televisiva A Vida Privada de Salazar exibiu recentemente em dois episódios de pura ficção, em um ou outro ponto. Falar-se-ia das inseparáveis botas do Ditador e dos carpins frágeis da aristocracia da D.Carolina. Confesso que no artigo inteiro não descortinei nem botas nem carpins.

Porém, a coisa mais próxima de botas e carpins, que alegadamente o artigo da TIME publicaria sobre a relação «improvável», é a frase «sua reputação de piedade ( de Salazar) é tão grande que uma ligação é considerada impensável.»

Muitos portuguêses – sugeria o articulista- tinham esperança que os rumores de que ele pretendia casar fossem verdadeiros; dizia-se que casamento podia humanizar o homem de quem a maioria tinha medo e que poucos amavam, e que já havia descoberto o aforismo de Lord Acton, segundo o qual «o Poder tende a corromper, o Poder Absoluto corrompe absolutamente.»

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