Tinha um rosto que já não temia nada, mesmo existindo poucas pessoas com vontade e heroísmo suficientes para lhe bater.
O seu corpo como um aríete talhado em rija madeira das acácias do Sinai, a sua tez escurecida tanto pelo sol do deserto como pelos luares, quando se escondia nas dobras da noite entre pedras nas estrada de Jericó para Jerusalém, os suas mãos que se meteram pela morte dentro, que a tratavam por tu, dissuadiriam qualquer afoito.
Até a sua voz, cava das profundidades dos pulmões, com o próprio som grave do seu nome. Apesar de induzir laços familiares, pois significava o «filho do pai». Era um nome que se impunha.
Por isso, mais uma sedição, menos uma, a sua reputação estava já estabelecida.
Exercia o terrorismo como uma linguagem de ferro para penetrar na cabeça do império romano, na dureza dos cérebros sob os capacetes dos legionários que ocupavam a Judeia.
Há muitos séculos, um pouco mais de mil- diziam os Livros-, houve os filisteus, mas bastaria um dos cinco seixos polidos e a funda de um pastor; agora eram os romanos, porém todos se acomodaram às armaduras de Roma.
Por tudo, mesmo na prisão, era um rosto que nada tinha a temer. Nem o seu nome temia mais impropérios do que aqueles que se ciciavam no medo, o seu nome não era próprio, era, a bem dizer, um título.
Filho fosse de quem fosse, seria uma pedra no sapato do equilíbrio que Sinédrio e a fortaleza Antónia queriam aparentemente manter.
E nesse meio-dia de sol encravado na aspereza da terra da Palestina, o desequilíbrio estava instalado, o balanço pendia para os lados da injustiça.
-É sempre assim na festa, uma substituição deveria ser o nome da Pessach(Páscoa judaica) - dizia um preso que, à parte o seu aspecto de rosto, corpo e roupas já no fio, parecia ter um pensamento próprio sobre certas coisas.
A troca, a substituição, era isso que se propunha à sanha da multidão acéfala e aos representantes da religião. Um inocente por um culpado.
Não parece que ao longo dos mais de vinte séculos que nos separam desse evento, do ponto de vista da justiça humana, as coisas tenham mudado muito.
Crónica para o Diário de Aveiro
1 comment:
Linda prosa poética, amigo João. Uma excelente caracterização da personagem.
Abraço.
bl
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