Wednesday, August 05, 2009

A religião do socioeconómico

Por muito que procurem evidenciar o contrário na estrutura religiosa e popular do seu discurso, existem hoje «igrejas» que ao designarem-se como centros de ajuda espiritual, querem governar Deus. -«Vamos buscar esse Deus- proclamam-, preparem o copo de água».
Nos seus conceitos ditos cristãos, nem Deus, nem Jesus Cristo estão no centro da Revelação, a importância revelacional vai toda para o que é socioeconómico, para não falar de ícones periféricos ( isto é, copos de água, fogueiras santas, monte de Sinai, cruz de fogo, etc.), como transferências do profano para o sagrado ou a necessidade de uma presença «sagrada» visível e palpável, no dizer de Roger Caillois.

O que se tenta fazer, numa homilética manipuladora de massas normalmente carentes, umas, e outras ambiciosas, é a compatibilização do incompatível, teologia e ciência económica, cristianismo e mercado, espírito e matéria, Deus e Mamom.

Alguns desses líderes da ajuda espiritual contribuem, irreflectida e inconscientemente, para o pensamento do século XIX, de Ludwig Feuerbach, segundo o qual todos os conceitos de Deus são invenções humanas, sejam eles cristãos ou não, e se projectam das esperanças ou dos temores humanos.

O homem após ter-se perdido de Deus, «reencontrou-se» em si próprio, é o resultado em palavras simples a que a crítica religiosa de Feuerbach chega. O homem convencido da sua incapacidade de realizar, pelos próprios meios, a verdade, o bem, o amor, projecta esses atributos humanos para fora de si e cria um ser superior a que chama Deus. Assim, conclui o filósofo, esse Deus prejudica a boa vontade do homem.

Entre outras incursões, Feuerbach levou seu pensamento para o materialismo. E com este foi levado à crítica religiosa, e no entanto escreveu a sua obra máxima que foi A Essência do Cristianismo. Mas atenção, como se sabe, esta obra é uma crítica ao Cristianismo, com ela conseguiu fazer que Marx reformulasse o seu idealismo hegeliano e se mudasse para o trono do materialismo. A tal ponto que Engels, o amigo de Marx, saudou assim esse novo materialismo: «fora da natureza e dos homens nada há, e os seres superiores criados pela nossa imaginação religiosa não são mais do que o reflexo fantástico do nosso próprio ser.»
Esta essência do cristianismo não propunha Cristo nem uma teologia, propunha uma antropologia e o Homem no lugar da divindade. O ser humano projectando Deus.

Mesmo agora, uma ideia de Deus começa a tomar forma em vocábulos como «triunfar», «alcançar objectivos», «projectos» e «fé», como palavra mágica. Estes termos fazem parte do discurso, numa dicção suavemente carregada de sotaque das Américas. E pretendem que o Senhor fique às ordens de bispos, pastores, obreiros, que o tratam no mesmo tom de voz, como um Deus que se demove por dicções de pseudo-psicologistas, pelas palavras com lágrimas dentro, e não no sacrossanto Nome do Seu Filho Jesus Cristo.

Salvaguardadas as devidas proporções, porque longe de mim guindar tais centros religiosos à categoria de dotados intelectualmente, existem no entanto auto-designadas «igrejas» que logram criar um deus governável pelos líderes, um deus a quem se manda fazer, determinando já o homem a vitória.
Tais «organizações», evito agora chamar-lhes igrejas, parece que pretendem notabilizar a ideia filosófica segundo a qual Deus é a projecção exterior dos desejos do homem, não já como Feuerbach defendia, do desejo de perfeição do homem, mas de algo que o hedonismo económico e o anseio de prosperidade trouxeram nos últimos 30 anos do século XX, acentuando-se neste início do XXI de uma forma pouco normal.

6 comments:

Brissos Lino said...

Podíamos dizer como S. Paulo aos Gálatas: "quem vos seduziu" com outro evangelho?
Todo o evangelho que não passa pela cruz de Cristo, e portanto pelo seu senhorio, é espúrio e deve ser rejeitado. Tanto quanto o deus-morto proposto por tantos outros, ou pelo deus-limitado que alguns preconizam.
Bom artigo, João.

Lucasdasilva said...

Agora mesmo, a partir do facebook meti a mão nos papeis na gaveta. Observei o conteúdo e a sua beleza. Fiquei tocado com o poema do pão e Feridos de Deus. Muitas bênçãos.

Unknown said...

O problema é que estas "organizações" (dizes bem...) sabem como atingir resultados: pretendem responder às necessidades mais imediatas das pessoas (a cura da doença, o dinheiro para comprar o carro, os afectos que não existem....o sucesso financeiro e profissional tão em voga!...) São mestres na manipulação psicológica! Quem quer ser falhado? E lá vão atingindo os seus resultados (os póprios lideres dão o exemplo, vivendo de acordo com o que propagam:vestem boa marcas, têm bos carros, andam em aviões privados....)
Bom texto! Fez-me reflectir na mensagem do sábio Salomão em Eclesiastes (Livro que me tem entusiasmado ultimamemnte) e do Pregador,que diz, no Cap 1:2
"Vaidade de vaidades...! Tudo é vaidade!" - o vazio de uma vida sem Deus, a valorização e prioridade que se dá à luta por uma felicidade transitória que nada é face à eternidade...
Esta pseudo-espiritualidade do "sucesso" não será uma forma de "anestesiar" o homem, ajudando-o a "esquecer"a futilidade em que vive? Pois é, o materialismo dá muito geito: os que têm sucesso e dnheiro, vivem numa alegre ilusão; os que não têm, lutam toda uma vida para o ter e poderem viver essa alegre ilusao....e a "fé" que perseguem tem de ser em conformidade com estes objectivos...ilusória...tornam-se alvo fácil dos "espertos", verdadeiros manipuladores, que atingiram o "sucesso" fazendo os outros visualizar o "sucesso" (sendo, entretanto, muito bem pagos, como sabemos...)
Gostei da reflexão....faz-nos pensar sobre as razões que, tal como há 1000 anos AC, continuam a afastar o homem de uma verdadeira intimidade com Deus seguindo o exemplo de vida de Jesus!...que tem nada a ver com os exemplos acima referidos...

Ana Ramalho Rosa said...

Precisamos regressar ao Sermão do Monte... Enquanto uns morrem por amor ao evangelho, no meio de perseguição, outros morrem por amor à posição... e passam por cima de tudo e todos (incluindo a pureza da Palavra)

Já disse e repito: "Consagração é um estilo de vida e não um título para a vida"

Lucasdasilva said...
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Lucasdasilva said...
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