Saturday, December 18, 2010

Haikai

Sob as palmeiras
vejo o rumo do vento,
que amacia as folhas.

Miami Beach, 19-12-2010

Sunday, December 12, 2010

"O Grito da Semente", do dr.Brissos Lino, Apresentação


Decorreu no Hotel Real Palácio, Lisboa, ontem dia 11, a apresentação do livro "O Grito da Semente", da autoria do prof. dr. Brissos Lino. A apresentação da obra, segue aqui:



Dadas as características deste conjunto de textos, poderíamos afirmar que estamos perante a obra de vários autores concentrados num só, dada a variedade de temas que fluem em socalcos de pensamento.
Mas este livro, que tenho a honra de poder apresentar, sendo como é uma colecção de assuntos, acaba por ser aquele rio da antiguidade, o rio de Heraclito, no qual não se mergulha duas vezes na mesma água.

Está patente nesta antologia de textos, diria nesta série de artigos, uma inter-discursividade que passa por alterações do ritmo dos textos, mais fluídos uns, mais pesados de doutrina outros, a intimidade dos mesmos é também diversa, em todo o caso a semântica teológica deste caudal de rio, parte como os 4 rios bíblicos do Genésis, da criatividade e do profundo conhecimento do autor sobre a Bíblia e sobre os homens.

Sabe-se que os japoneses, no século VII, tiveram uma ideia para a utilização das vozes múltiplas que se interligam num género de literatura, o poema, com a criação da renga (poesia de colaboração), que é um exercício de escrita colectiva, num só poema ou conjunto de poemas colectivo.
Entendem o que eu quero dizer, e por que razão trago aqui a Arte Poética. Talvez por uma razão do inconsciente, ou, se este vocábulo for inatingível, por uma razão do coração.

A verdade é que neste «Grito da Semente», salvaguardadas as devidas proporções do género e dos conteúdos, sinto essa diversidade unívoca ao ler todo o conjunto.

Não há neste livro nenhuma peça que esteja a mais, como diria sobre as leis Montesquieu, Brissos Lino sabe há muitos anos que um texto inútil num conjunto enfraquece os textos necessários.

Todos os 37 capítulos, digamos assim, são elos como veias onde corre o mesmo sangue lusitano do nosso autor, que mais uma vez irá beneficiar a não muito abundante portugalidade, genuína, da escrita evangélica. Quase toda ela escrita, agora, em “estrangeiro” e muito mal traduzida em alguns casos, via algumas casas editoras que se dedicam à importação e a aumentar o déficit da nossa balança de pagamentos cultural com o Exterior.

Na sua forma, todos os textos podem parecer iguais, uns mais iguais do que outros, mas a torrente das suas águas teológicas, renova-se de artigo para artigo, de crónica para crónica, de estudo para estudo. Tudo isto com um nome, que me apetece dar-lhe: os diários do pensamento do escritor Brissos Lino.

Saul Bellow, escritor norte-americano e Nobel em 1976, chamou aos diários de um autor “transacções íntimas”. O criador de Herzog ou de Na Corda Bamba, disse isso porque houve um tempo em que as pessoas tinham o hábito de se dirigir a si próprias.

O escritor e poeta evangélico Brissos Lino, fugiu a esse ritual em desuso e estes seus diários de um pensamento, sendo um trading íntimo entre o autor e a sua responsabilidade perante Deus, dirigem-se de si para os outros. Possuem um sentido universal. São uma forma de Missão em toda a trajectória deste novo livro.

«O Grito da Semente», sendo o seu autor um poeta, é um título criativo, «fisga o leitor» (aprende-se isto na Escrita Criativa), é poético, já porque traduz um tropo de linguagem, uma metáfora, ao mesmo tempo um oxímoro, já porque também é uma belíssima impossibilidade que só a poesia logra alcançar. E, no entanto, quão realizável é, quando passa da poiética para o domínio do fazer teologia.

Esta obra, que tenho a honra de apresentar, do Doutor e Pastor Evangélico Brissos Lino, é sobretudo teológica.

Escreve o autor na sua introdução ao livro, que tem uma «ênfase de ministério», que «é a do ensino da Palavra», por isso - escreveu - «me interesso pelos estudos bíblicos e teológicos», e por essa razão também « me arrepio com tantos abusos, desvios e aberrações ensinadas e praticadas em nome de Deus e da Sua Palavra.»- afirmou o escritor.

É com esta consciência que lhe conheço há mais de três décadas, que trata a Teologia, e diria aqui com uma expressão pessoal e de posse, a nossa Teologia, seja esta a Sistemática, a de Brancroft, de Myer Pearlman ou a de Karl Barth.

Sabemos do que trata a Teologia, permitam-me dizê-lo assim, trata da vocalidade nos dois sentidos: do discurso do Homem sobre Deus, que é tout court a Teologia, e do discurso de Deus sobre o Ser Humano, que é Palavra Divina nas Sagradas Escrituras. “O Grito da Semente” vai beber a esta Fonte a sua fresca cristalinidade.

E o que reúne, é de primeira água. Um conjunto de textos de transversalidades, que estabelecem pontes a partir da teologia com temáticas variadas, a cultura e história clássica literárias, a psicologia, a psicoterapia pastoral, o fait-divers da sociedade global seja esta religiosa, eclesial ou secular, a divulgação para o Conhecimento e a Sabedoria, em contexto bíblico que indica o caminho não para se compreender mais, mas compreender melhor.

A verdade é que estamos e estará o leitor perante uma obra teológica, com efeito, mas pensada e estruturada literariamente na concentração, dir-se-ia, da crónica, do texto de carácter jornalístico, do artigo de fundo cristão e bíblico, profundos e ricos como existem poucos nesta área.

Mergulhamos nela como num mar transparente, de peixes exóticos, sem abismos, sem correntes que perturbem a beleza do mergulho no cristal, mesmo sem a beleza aparente dos corais que podem ferir os meios de que dispomos para poder nadar ou caminhar sobre a transparência das águas.

A Teologia aqui, neste livro, não é o grande tubarão simbólico a que as rémoras parasitas de alguns pseudo-teologistas (não teólogos sérios) se agarram para navegar em proveitos próprios.
É Teologia, sim, mas de serviço público, que primeiro nos faz pensar em Deus e depois no Homem.

Vem, de resto, na linha do pensamento de Soren Kierkegaard, cuja argumentação no que concerne à existência de Deus e à nossa mente , se pode resumir a « «Se» Deus existe - e a minha fé não me permite pressupor outra coisa -, como deve o meu intelecto pensá-Lo?»

É uma Teologia prática que prova Deus, isto é, que Ele existe. Que pensa Deus. Páginas como «Discurso sobre Deus» ou «Onde estão os teólogos?», abrem caminho ao que o autor proclama ter de ser feito, no desafio da Teologia, «aplicar o pensamento de Deus e sobre Deus ao mundo e ao tempo em que as sociedades se encontram em cada momento da história dos homens.»
Na literatura cristã, designadamente de inspiração e formação evangélica, o discorrer sobre Teologia, como práxis, pode dispôr de vários meios.

Brissos Lino usa aqui aquele a que chamaria de crónica teológica, que, pelos meios utilizados na sociedade de informação e globalização actuais - sobretudo a web, com os blogues e as redes sociais - atinge ao mesmo tempo um elevado número de leitores.

O tratamento dado a essas crónicas estará na mesma linha, por exemplo, da epistolografia cujos conteúdos versam a teologia, ou não estão nada longe da mesma, no quadro dos valores ético-morais. Pensemos nas cartas trocadas entre o pastor Oskar Pfister e Sigmund Freud, ou esse memorial de angústia lúcida, respaldada pela esperança, que se chama «Resistência e Submissão», as cartas do teólogo Dietrich Bonhoeffer enquanto prisioneiro do regime Nazi.

E estas referências que à primeira vista se nos afiguram tão díspares, conduzem-me a referir uma crónica culta, invulgar nos meios religiosos menos letrados: denomina-se «O Profeta Vergílio». E o autor cumpre assim também o desiderato alcançado de ensinar, de transmitir conhecimento. À pergunta «haverá profecia messiânica nas «Bucólicas» de Vergílio? O próprio autor responde com um texto de pura divulgação cultural-literária, do domínio da história da literatura latina, para culminar, uma vez mais, com a teologia, desta feita concernente à teologia messiânica, aquela que profeticamente Isaías nos traz, puramente cristocêntrica.

Diametral e teologicamente oposto, aparece-nos outro texto, num feliz conúbio entre as críticas teológica e dos costumes rotineiros, religiosos, perante a Bíblia Sagrada, e a pedagogia do como deve ser nosso olhar sobe a Bíblia. E a fórmula inicial que o escritor utiliza, é o aspecto relacional do leitor com a sua Bíblia. Escreve o pastor e pedagogo Brissos Lino:

« Para o cristão comprometido com Deus, a sua Bíblia é quase como uma pessoa. Vamo-nos relacionando com ela ao longo dos anos e desenvolvendo até uma espécie de afectividade com o Livro, tantas são as realidades humanas e espirituais para que ele nos alerta e sensibiliza, e os momentos importantes em que nos acompanha.»

As leituras que o autor faz de diversíssimos assuntos, são leituras da contemporâneidade, mesmo de temáticas enraízadas no tempo mais remoto, para o homem do século XXI, contextualizadas na forma ora pedagógica, ora ensaística, ora teologizante, ora simplesmente literário-jornalística no modo de crónica, com as quais nos presenteia.

Por exemplo, quando escreve a págs. 21 sobre as más hermenêuticas, afirmando que « a descontextualização é um dos maiores crimes que se cometem na interpretação dos textos bíblicos. Não podemos ler textos milenares com a mentalidade e o enquadramento civilizacional do homem do século XXI, pois isso é desvirtuar, à partida, o seu sentido intrínseco.»

Ou sobre os oráculos proféticos, a que muitos pretendem reduzir a Bíblia Sagrada, atribuindo-lhe a baixeza dos chamados poderes mágicos, que Palavra divina não possui. E cito dois brevíssimos parágrafos:
« Um dos erros de utilização mais tremendos é atribuir ao Livro poderes quase mágicos, fazendo dele oráculo profético.
Por exemplo, há quem feche os olhos e aponte o dedo, de forma aleatória, em busca de um versículo que lhe dê resposta ao seu problema do momento.»

Ou ainda sobre o perigo atemporal e constante do liberalismo. «Querer fazer dela uma colectânea de estórias, mitos ou lendas, é reduzi-la a uma mera realidade literária e cultural, retirando-lhe a sua principal característica – o sobrenatural, dada a sua divina inspiração. (…) A leitura liberal da Bíblia é herética.»

Afirmações desconfortáveis para os nossos dias, porque quebram formas anquilosadas, põem em causa fôrmas recorrentes, e correm o risco de ser observadas como heresias, não porque pronunciem o contrário, apenas porque fazem ver de outro ângulo, e talvez partam mesmo um certo fio do discurso estabelecido como tautologia.

« Há temas que são de desconfortável abordagem para um evangélico. Coisas que sempre se ouviram ensinar da mesma forma e que parece quase heresia questionar.» -reconhece o autor de “O Grito da Semente”.

E mesmo sabendo que poderá haver algum desconforto pessoal, pelo modo como alguns sectores religiosos e/ou denominacionais irão passar os olhos por este seu novo livro, o seu Autor não o recusou escrever, juntando peça a peça, reconstruindo assuntos teológicos com os materiais da realidade, ou do simplesmente quotidiano. Sempre sob o dictum literário, e as declarações de opinião ou crença com autoridade pastoral, o que coloca esta obra, “O Grito da Semente” no patamar dos bons livros evangélicos, escritos em dialecto culto mas simples. O que faz do mesmo um livro de cultura. E do seu autor um bom trabalhador da palavra , que maneja bem todos os recursos.

A eclesiologia não foge à sua pena acurada, e um texto como “A idade ontológica da Igreja” é paradigma disso mesmo. Cita Santo Agostinho, com a proposta arquetípica deste a antecipar no século IV uma contrariedade para o filósofo do Ser do século XX, Martin Heidegger, e que diz-nos
"Quem caminha no sentido oposto ao Ser caminha para o nada." E esse texto é um puro ensaio sobre os vários modos como a Igreja se desenvolveu, a partir do que o autor chama “Idade da Conquista”: «Antes de mais, a Igreja terá experimentado uma Idade da Conquista.
Foi uma época de expansão do Evangelho, que começou com a perseguição de Jerusalém e subsequente diáspora dos cristãos pelas terras dos gentios, levando a boa semente do Evangelho.»

O óculo paulino através do qual podemos ver a Igreja, é como um Corpo, e assim é humanamente antropológica, porque formada por homens e mulheres, e cristológica porque centrada e guiada em e por Cristo. Mas a Igreja não é um ente divino. Daí o nosso autor arriscar, a nosso ver muito bem, com o primeiro parágrafo do artigo “A Igreja”:

«O percurso da Igreja, ao longo destes dois milénios de história, nunca foi linear. Ela procurou sempre, como sujeito da História, sobreviver, nuns casos, resistir noutros, dominar, nalgumas circunstâncias, ou ser minimamente relevante noutras.» «A partir do momento em que a Igreja deixou de se comportar como motor da História no mundo ocidental, limitou-se a reagir aos acontecimentos ou a imitar o sistema do mundo sem Deus.»

Finalmente, o estilo do autor de “O Grito da Semente” é eclético, mas conclusivo. Emocional mas de construção contida entre as margens da razão. A transversalidade dos seus textos acaba por se encontrar num acervo comum de informação, que vai da Saúde física à mental, do comentário a uma encíclica papal ao mito do país católico, aos equívocos denominacionais onde perpassa uma desilusão até aos cristãos pós-modernos, e poderíamos prosseguir entre “a alma humana: essa desconhecida” a “E o poeta se fez triste...”

O escritor Brissos Lino, neste seu novo livro, reconstrói realidades, a algumas retira-lhes mesmo o exclusivismo religioso e torna-as assim de abrangência universal, verbalizando através da teologia e de uma boa escrita literária o seu senso comum diante do nosso mundo, o complexo mundo dos nossos dias. O autor de «O Grito da Semente» sabe ser, neste seu livro que apresentamos, nosso contemporâneo, porque sabe ser e estar simultâneo de todo o nosso tempo.

Termino com uma citação do romancista naturalista e do pensamento natural sobre o Bem e o Mal que foi Herman Melville: « a vida é uma travessia rumo a casa” e nesta viagem -escreveu- «não cessaremos de explorar”. É assim que Brissos Lino leva os seus recursos exploratórios até ao cume desta oportuna obra, «O Grito da Semente». Ouviremos, de boa vontade, e agiremos na multiplicação desse grito.

© João Tomaz Parreira



Thursday, December 09, 2010

"Nada onde pousar o Sonho", Antologia Poética


Desafio Miqueias edita primeiro livro de antologia poética sobre a pobreza. Poemas de Fernando Pessoa, J.T.Parreira, Clélia Mendes, Brissos Lino, Lurdes Saramago Chappell, João de Mancelos, Júlia Lemos, Rui Almeida, Rui Miguel Duarte, Florbela Ribeiro, Helena Branco e João Pedro Martins.

Custo do livro: 5 EUROS em oferta exclusiva no FACEBOOK (até 31 de Dezembro)

Portes GRÁTIS! Na promoção de lançamento do livro de poesia Nada Onde Pousar o Sonho e do CD Natal com Significado na loja online do Desafio Miqueias é oferecido o custo de envio da encomenda. A promoção é temporária e para os fãs do Desafio Miqueias.
O livro pode ser adquirido através de pedido para: desafio.miqueias@gmail.com com indicação do nome e morada para envio.

Wednesday, December 08, 2010

De uma Cruz a outra cruz: a palavra do Perdão

A crucificação de Cristo apresenta-se aos olhos da história como um crime da religião, por isso pode ser integrada numa história universal da infâmia.
A infâmia é, para a cultura filosófica e literária, uma relação entre o mal e os homens, desde o filósofo Michel Foucault ao poeta Jorge Luis Borges, que assim o asseveraram e escreveram sobre ela.
Nesta perspectiva , podemos afirmar sob dado ponto de vista, que certos sectores religiosos judeus foram infames, mais do que os romanos, ao levarem Cristo a julgamento irregular, à condenação e à execução na Cruz, no Monte do Golgota.
Contudo, a frase de Jesus Cristo crucificado, uma das chamadas 7 palavras da cruz, “Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que fazem”, parece redimir os judeus e os romanos da infâmia (a menos que o Senhor a estivesse a usar apenas para os romanos, que parece ser o caso histórica e hermeneuticamente), é que a inocência não pressupõe infâmia.
O referido poeta JLB, numa entrevista sobre a sua História Universal da Infâmia, disse, citando a frase de Jesus: «Eu julgo que Jesus sentiu isso. Sentiu que os seus carrascos, aqueles que o pregavam na cruz, não eram forçosamente uns canalhas. Eram soldados que deviam obedecer às ordens que recebiam.»

A circunstância da frase de Jesus
O quadro diegético (a narrativa) em que esta petição de Jesus se exerce, está registado apenas no Evangelho de Lucas e parece não oferecer discussão aos chamados Pais da Igreja( de Irineu, Clemente a Eusébio) ainda que não se encontre em todos os manuscritos gregos antigos.
As razões, do ponto de vista da elaboração do texto lucano canónico, estarão no próprio objectivo do Evangelho de Lucas e no mundo civilizacional que pretendeu atingir: os gregos, a cultura grega, numa palavra, os gentios, no sentido paulino. Também porque Lucas é a narrativa mais completa da vida de Jesus Cristo.
Assim, a inclusão daquele pronunciamento do Senhor reveste-se de um sentido teológico e da atitude divina e humana de Cristo para com os homens. O relacionamento sempre com base no Amor divino e no Perdão. “Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem”(Mat.5,44). E, em contexto de sofrimento e morte próxima, “Pai, perdoa-lhes...”.
Lendo a composição dos factos do Evangelista, médico e escritor, vemos que o tempo cronológico e o psicológico, o espaço ( o local) e as personagens, elementos da narrativa, reportam o início da crucificação e os autores materiais da mesma. Admite-se como certo nos meios da hermenêutica fundamentalista e da história da crucificação que a frase de Cristo possa ter sido dita aquando os soldados O cravavam na cruz.
Quem rodeava o Filho de Deus e agia sobre Ele, de forma violenta pelo acto próprio de uma crucificação, foram os soldados romanos; os judeus entregaram-No e, tal como Pilatos, lavaram também desse facto as suas mãos. A narração de Lucas situa-nos nesses momentos precedentes e posteriores à crucificação.
É factual que a proximidade dos romanos e a sua acção “legal” e administrativa efectuada, tenha levado Jesus Cristo a interceder misericordiosa e amavelmente, com Amor que só é divino, rogando para eles e seu acto, Perdão.
A dificuldade poderia estar na causa do pedido desse perdão: que não sabiam o que estavam a fazer. Os romanos não sabiam, cumpriam a execução de uma pena de morte; os judeus, à distância do Monte do Calvário, mas mais perto psicologicamente, religiosamente, familiarmente (conterrâneos) de Jesus, esses sabiam em consciência o peso da sua conta naquela crucificação. Não foram as suas vozes reunidas perante Pilatos, que gritaram bem alto “ O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.”?
Sobrepondo-se a quaisquer análises, quer ao que decorre da diegese usada por Lucas, quer à contextualização dos eventos na história da Paixão e Morte do Salvador, há o aspecto profético, do cumprimento profético das palavras de Jesus, palavras tolerantes, compreensivas da natureza humana e repletas de Amor divino.
Com efeito, o proto-Evangelho em Isaías e a narração profética antecipando a história do dia da crucificação, apresentavam esse quadro na parte final do cap. 53, assim: «...foi contado com os transgressores (os dois malfeitores que O ladeavam); mas ele levou sobre si o pecado de muitos ( a função substitutiva do Redentor), e pelos transgressores intercede (aqueles que o estavam a crucificar, naquela circunstância temporal e, soteriologicamente, em sentido mais profundo universal).

De uma Cruz a outra cruz
As três cruzes erguidas no alto do Golgota têm cada uma um lugar na narração de Lucas, sendo a do meio protagonista material de relevo. Nela estava cravado o Filho de Deus. O próprio Jesus Cristo referiu-se, por duas vezes, a esse acontecimento, usando em ambas o verbo ser “levantado”, donde se infere a morte de cruz, da qual havia de morrer (Jo 3,14 ; 12,32), do mesmo modo que o termo induz também exaltação.
A cruz é um símbolo antiquíssimo, que acompanha o homem desde remotos tempos, desde o simbolismo telúrico ao religioso. No religião cristã tomou o lugar simbólico do sofrimento e o factual e histórico como objecto usado para condenação à morte do Salvador do Mundo. É o principal símbolo do Cristianismo, segundo a Enciclopédia Britânica.
Na poesia cerebral e culta do poeta argentino Jorge Luís Borges, em que o autor procura inúmeras vezes os arquétipos das coisas, das palavras, da sua cultura enciclopédica, encontramos mais do que uma vez a referência à cruz, no contexto bíblico e referencial do perdão.
Ao usar nos versos seguintes, um conceito ético sobre o perdão, o poeta JLB fez da cruz o veículo pelo qual esse perdão se transmitiu, através do sangue de Jesus e da Sua própria voz de candor, como o poeta lhe chamou:
“ Gracias quiero dar(...) // por las palabras que en un crepúsculo se dijeron / de una cruz a outra cruz”. Tais palavras carregaram a sublimidade do perdão, não apenas ao malfeitor, mas a todos os homens que creram e crêem, na humanidade.
E o mesmo poeta, noutro belíssimo poema, escreve assim, sobre Cristo na cruz (título do poema): “Cristo na cruz. Os pés tocam a terra. // Deixou-nos esplêndidas metáforas / e uma doutrina do perdão que pode / anular o passado.”
De uma cruz a outra cruz a transversalidade universal do perdão para o Mundo.

João Tomaz Parreira