Friday, December 30, 2011

O Menino Maravilhoso de Isaías e de Virgílio



Isaías estava preparado para abrir a sua boca e dos seus lábios aptos saíria a notícia, a Boa Nova do Advento.

Porque um menino nos nasceu, // um filho se nos deu; // e o principado está sobre os seus ombros”.
Mas é na descrição poética de um mundo em trevas, uma metonímia para a escuridão da morte, onde as sombras se prolongavam dos olhos do povo, de ambos os reinos de Judá e de Israel, que Isaías embeleza o seu escrito, a fim de trazer a esse «povo que andava em trevas» o Messias. E novamente aqui as incontornáveis figuras de linguagem, de novo a metáfora e a símile, a fim de iluminar o silêncio profético desse período entre os dois Testamentos.

«O povo que andava em trevas // viu uma grande luz, // e sobre os que habitavam // na região da sombra de morte resplandeceu a luz. // Tu multiplicaste este povo e a alegria lhe aumentaste»

A primeira nomeação que Isaías usa para qualificar esse Filho Messiânico, que viria alterar toda a estrutura desse texto de Escritura Sagrada para um texto poético, é um termo epopeico: Maravilhoso, Maravilhoso Conselheiro, que re-ensinará a Moral, a Ética, a Sabedoria a um povo de entendimento entenebrecido, pela negra miséria do cativeiro na sua própria terra e do exílio.

Do mesmo modo, sete séculos depois o poeta latino Virgílio diria poéticamente de um menino que iria “partilhar vida dos deuses”. Por esse cântico poético, depois na Idade Média, o autor do épico “Eneida” foi recuperado para o Cristianismo com a categoria de profeta pagão.

Ao poeta foram “atribuidos dotes sobrenaturais de profeta e de mago” - diz-nos qualquer História da Literatura Latina. Mas não foi por ter “conduzido” como guia espiritual Dante, em viagem pelo Inferno, na monumental obra que é a Divina Comédia.

Sobretudo e exclusivamente foi porque escreveu nos derradeiros anos (42-39) antes de Cristo que um menino maravilhoso iria nascer. E esse escrito é até hoje não só inexplicável, mas também inelutável.
Há milénios que a crítica gostaria de poder identificar esse menino. O nome, ninguém até hoje sabe, embora haja quem o personifique num favor poético quer Virgílio teria de fazer a certo personagem influente, Polião, pelo nascimento do filho deste; mas quando lemos que o menino será maravilhoso, porque será portador de uma nova Idade de Ouro, não será num mero nome que se deve pressumir, pelo contrário, deve-se pensar na condição social e no carácter, na interioridade e na projecção moral, de tal criança, na sua superioridade inabalável, e assim olhar com o auxílio da hermenêutica literária e histórica.

No fundo, como uma questão de contexto, na qual as promessas proféticas sobre Jesus Cristo podem também ocupar um lugar de relevância.

BUCÓLICAS IV
Nesta écloga, Virgilio utiliza alegorias para glorificar alguns dos seus protectores em Roma. O intuito deste entrecho bucólico, que não vem cantar pastores, nem os prados verdejantes para os rebanhos, é de outra ordem. É mítico e profético, trata do fim de um tempo e começo doutro novo, fala da criação do mundo, do Paraíso sem a serpente.

Eis que chega aquele fim da idade que predisse Cumas outrora, renascendo assim a grande ordem de século após século”

Especialmente esta Bucólica parece conter uma profecia messiânica feita pela Sibila - sendo isto apropriado pelos primeiros cristãos. Por esta razão, durante a Idade Média a Sibila de Cumas e Virgílio foram considerados profetas da vinda de Cristo.

Este menino que, primeiro, verá a férrea idade sumir do mundo logo vindo a de ouro”

O primeiro imperador já considerado cristão, Constantino ( “bispo do exterior” como gostava de se chamar), quando disse a sua mensagem para o I Concílio de Niceia interpretou esta passagem das Éclogas como uma referência à primeira vinda de Jesus.

O autor da “Eneida” classifiava esse tempo como “ Esta era nova ”, esse menino lado a lado com os heróis – escreve Virgílio – estaria na origem da Paz: “ com ele mesmo ao Céu erguido e governando a Terra em paz pela virtude de seu pai.”

Existe de igual modo um acento narrativo que nos lembra Isaías, no que concerne ao milenarismo / milenismo do profeta do Velho Testamento. “As cabrinhas por si trarão aos lares / tetas cheias de leite e dos leões / rebanho algum terá receio “, “ Serpente morrerá e morrerá / toda a pérfida planta venenosa “

O profeta Isaías profetizou acerca do reinado do Messias com uma linguagem imagética, temporal porque se trata da letra, mas inspirada pelo Espírito Santo que lhe mostrou o Advento do Menino.

O futuro na profecia de Isaías está numa Pessoa, nenhum outro profeta elevou perante os olhos do Mundo Antigo a Pessoa de Jesus Cristo ligado a elementos naturais da vida dos homens: nascer e morrer, de modo distinto e único.

Profecia retrospectiva, a de Isaías, porque “ como o passado e o futuro procedem igualmente da essência de Deus , uma inspirada penetração no passado dá a entender uma penetração no futuro e vice-versa”- Comentário de La Bíblia, Jamieson et alli.

E fê-lo de forma poética, ornando a exaltação do Messias de nomes da esfera celeste perante a miséria negra do cativeiro, em todo o belíssimo capítulo 9 do seu Livro. É como se aos três magos que foram a Belém, à humilde estrebaria, levar os simbólicos artefactos da sua riqueza ao Menino, Isaías estivesse presente como o quarto levando não ouro, incenso ou mirra, mas Nomes. As características essenciais do Menino.

Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros: e o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus forte, Pai da eternidade, Princípe da paz.”

(c) 12/2011

Wednesday, December 21, 2011

Foi Assim a Salvação: Inédito de Brissos Lino



Foi assim a Salvação. Um Menino

desceu aos homens

com a paz na algibeira

e estrelas na boca

enquanto uns olhos de sol e de lua

lhes aqueceram os dias

e os sonhos

para sempre.


21/12/11


Brissos Lino ©


Thursday, December 15, 2011

Os que vêm nos camelos, navegam na Luz branda

Os que virão nos camelos” Jorge de Lima

Os que vêm nos camelos
navegam na luz branda do luar
têm visões no deserto
quando o sol derrama no horizonte
as águas ilusórias
também bebem
dos espelhos da água mais profunda
vêm de vales estuantes
os que virão nos camelos
quando a viagem terminar os seus vestidos
serão trapos do tempo, não importa
pois trazem presentes
e seguem a estrela indispensável
e vão em busca da glória
do Menino.

13/2/2011

Sunday, December 04, 2011

Crónica de um plágio


1969, no Leste Angola. Chega às minhas mãos correspondência, e uma revista que a juventude das Assembleias de Deus editava: "Caminho"( nº 16, Jul/Ago 1969). Na secção de poesia (pág 14/15), ao lado de um poema meu - "Fragmentos para o Salmo 8", deparo-me com um soneto evangélico: "Ser Crente", um chamado clássico de um dos maiores poetas clássicos baptista Mário Barreto França.

O meu espanto, está "manuscrito" no que coloquei na própria página acerca de um inconcebível plágio. O soneto vem "assinado" por um pretenso autor...  

 Este plágio provou-me 2 coisas, naquele longínquo ano de 69 em plena Guerra colonial - o desejo de notoriedade sem olhar a meios; e que é preciso sempre alguém que conheça poesia, os autores, alguma coisa da história da poética universal, para poder coordenar uma publicação, neste caso, que veicule poesia. Pelo menos, mas como se defende no minimalismo: o menos é mais.

Saturday, November 19, 2011

O que disseram os companheiros de Emaús


Percorreste os nossos ouvidos
para encontrar um recanto
para o Amor
as palavras que abriam clareiras
na vasta linha da noite
As Tuas palavras foram amaciando a noite
foram dando asas ao chão
do caminho de Emaús
que pisavamos na noite
o Teu invisível fogo
das palavras, que depois à mesa
se transformaram em pão
e aí os nossos olhos entenderam.

18/11/2011

Tuesday, November 08, 2011

Lei do Retorno


Quem são estes que vêm voando como nuvens
e como pombas as suas janelas”
Isaias, 60,8


Aqueles que nos levaram
também nos deram asas, quando chegaram
as horas de Deus
trouxemos as nuvens
para as nossas sandálias
e voamos
como pombas branqueando as sombras
podemos fazer as nossas janelas
com vista para o mar
nossos braços e pernas
não serão mais pontas soltas no vento.



*A Lei do Retorno (de 1950) dá a qualquer judeu "no exílio" o direito de voltar para sua histórica terra natal e de receber sua cidadania.

Thursday, November 03, 2011

Maria de Schubert



Tem nos seus olhos um filho

a tremer de frio

sob o sólido

fogo de uma cruz, um amor

moribundo, que deixa

um tapete

macio de sangue no caminho

no seu ventre agora existe

um espaço

onde quereria guardar

o seu menino.

31-10-2011

Saturday, October 22, 2011

"Aquele de cuja mão fugiu o Anjo", e-book, poemas evangélicos

 

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Saturday, October 08, 2011

As Cartas


Eram cartas sem resposta
apenas num sentido, como as raízes
irrompem da terra na flor vertical
impossíveis de responder, as cartas
ardiam no pergaminho, como a sarça
a viver num fogo celeste
e sem peso
vertiam-se na voz de quem as lia
o céu está nas cartas, é um lugar
na terra, em Corinto ou em Éfeso.

8/10/2011
 

Tuesday, September 27, 2011

A Casa de Bernarda Alba


 “- A Madalena desmaiou. - É a que fica mais só”
Garcia Lorca


A tristeza de habitar
entre mulheres sozinhas
com sinos
dentro da cabeça

Olhares perdidos nos tectos
entre os ângulos das sancas
e o frio
solitário das paredes
as mulheres no escuro
dos vestidos

Com a saudade
que tem retratos nas mesas
e velhos poetas espessos
nas estantes
e grossas portas fechadas
com o mofo da tristeza a habitar
estas ninfas do silêncio.

14/10/2009

Thursday, September 22, 2011

O VERBO NÃO SE FEZ APENAS CARNE

A afirmação joanina “o Verbo se fez carne”, no Prólogo do seu Evangelho, é uma declaração teológica, primordial, cristológica obviamente, do mesmo modo que é, em seguida, antropológica.

Toda a asserção vai no sentido de nos fazer entender que o Verbo não apenas se fez carne, mas tomou também a forma inefável dos sentimentos do homem. Não se reconhecia esta verdade no próprio século de Jesus Cristo, quando os docéticos oriundos do gnosticismo afirmavam que Cristo era um espírito apenas, quando não um fantasma, sem carne, com um corpo aparente, negando-Lhe assim a humanidade.

O facto incontroverso, é que o Verbo habitou entre nós, em toda a extensão do Ser, não obstante sem pecado.

O “habitar” entre nós do Evangelho de João não foi por motivos exteriores, uma morada geográfica, numa cidade ou numa vila, numa casa, num quarto, um bilhete de identidade que a administração do território exige; o “habitar” é meta-histórico, era algo que, no grego, brotava do significado “tenda”, ou “tabernáculo”, vocábulo que o apóstolo Paulo elevara à categoria do simbólico, da metáfora de “corpo” na sua segunda epístola aos coríntios, que, como é sabido, é anterior ao evangelho joanino.

Veio para o que era seu
«Cristo não veio ao inferno, mas ao “que era seu”», esta formulação feliz dá-nos a dimensão do mundo (cosmos) que Deus amou.  O teólogo Dietrich Bonhoeffer, mártir cristão protestante moderno sob o regime nazi, afirmou-a no seu livro Ética. A índole teológica e moral desta obra reflexiva, também contra a “grande mascarada do mal”, personificada no nazismo, conduziu Bonhoeffer a uma cristologia perto do homem. Uma cristologia, como não poderia deixar de ser, a favor do mundo.

8/2011

Monday, September 12, 2011

A Pomba



(Piero de La Francesca)

A pomba contra o preconceito
que descia
passou todas as fronteiras
nas margens do Jordão
um sinal pairando, mais do que um sinal
uma voz
acomodava a beleza divina
nos ouvidos, a voz
do Pai que ilumina o Filho.

12/9/2011


Wednesday, September 07, 2011

Por um rio que havia em Babilónia




Por um rio que havia em Babilónia
nossos olhos perguntavam pela foz
nossas mãos colhiam e deixavam
passar por entre os dedos as estrelas
num rio que havia em Babilónia
nas margens assentamos
o coração cansado
e os cordeiros, como as harpas
presos aos salgueiros
a um rio que havia em Babilónia
descalçamos as alparcas
e lançamos orações
como a um muro de águas.


1/9/2011






Friday, August 26, 2011

Carta para um jovem amigo

Caro J

Vejamos então, J. Para já são pensamentos que me ocorrem aqui mesmo.


O Messianismo ou qualquer doutrina messiânica -do ponto de vista religioso- não pode pertencer ao Cristianismo, seria uma contradição de Fé, seria afirmar uma coisa e o seu contrário: uma espécie de
Um - Cristo (que dá nome à sua religião)- a - Vir.

Ser cristão/evangélico messiânico é portanto uma contradição.

Os Movimentos que vão nesse sentido visam, do meu ponto de vista, a conversão dos judeus a Cristo - o Movimento moderno Judeus para Jesus, por exemplo. Mas tal movimento pode colocar em causa a Doutrina Bíblica do Novo Testamento quanto à vinda do Lógos- o Verbo que se fez carne e habitou entre nós.

O crêr - como alguns Movimentos Judeus Messiânicos crêem- num Yeshua como sendo o Messias, pode levar-nos à confusão da pergunta: O Yeshua/Jesus que já veio no NT, ou que há-de vir, segundo o Talmude, segundo o judaismo mais ortodoxo.

Por exemplo, os Essênios do Qumrâm esperavam Aquele que viria lutar com as armas da Luz. Manuscritos do Mar Morto exibem isso.

A questão deve ser abordada quase como uma verdade à Monsieur de Lapalisse: O Judaismo, ortodoxo, contemporâneo, crê de facto num Messias a Vir, o Cristianismo /os Evangélicos/os Católico-Romanos / Ortodoxos / creêm num Cristo que veio.

A figura do Messias, o estudo do mesmo, é histórico e teológico....penso que os Messiânicos - salvo melhor opinião- estão só no domínio da teologia. O Cristianismo, obviamente, tem-na como base estruturante da Doutrina Cristológica, mas já passou também para o plano da História: O MESSIAS(no hebraico), O CRISTO (no grego) já veio.


Tome estes apontamentos como uma espécie do seu Amigo e Irmão a pensar alto para ele próprio.

  ( voltaremos ao assunto).

Um abraço. João

Wednesday, August 03, 2011

O Construtor

“Se o Senhor não edificar a casa,
em vão trabalham os que a edificam”
Salmo 127, 1

A construção vem de cima
escava-se
nos alicerces do céu
começa para lá do algodão
das nuvens, desce nas colunas
de mármore desde o azul, sem ruído
O Construtor toca com o arco
do violino celeste
de lápis-lazúli e edifica a nossa casa
desde o universo.


2/8/2011

Tuesday, July 19, 2011

As Quedas

No Paraíso, Adão foi de Queda em Queda após a desobediência. Aplicaríamos aqui um verso clássico do poeta alemão Rainer Maria Rilke para caracterizar a espiral de solidão, de medo, de angústia, de deceção consigo próprio oriundas do interior de Adão: “ O belo apenas é o começo do terrível”.
A falha do homem (de Adão), na Aliança ou Dispensação da Inocência, lançou-o em várias Quedas. A sua experiência espiritual, existencial e moral com Deus/o Criador entrou pela porta errada da rebeldia e da desobediência e tais quedas revelaram-se na chamada Aliança Adâmica, de inocente passou a responsável e os custos dessa mudança foram tremendos para a Humanidade.

A Queda
No século XIX, o filósofo cristão Kierkegaard, pioneiro na definição da angústia do Ser humano como um efeito, apresentou a causa da mesma: a Queda no Jardim do Éden. Desde tal definição até hoje, tem-se manifestado grande dificuldade em traduzir a palavra “angst”, que serviu de base para o pensamento kierkegaardiano, no que concerne, designadamente, ao existencialismo cristão. O conceito traduzido, que tem vindo a ser usado, é “ansiedade”.
Não é novo este termo, nos seus efeitos visíveis. Adão terá sentido profunda e indefinível ansiedade no Paraíso, quando necessitou de se esconder de Deus e, nesse tempo de espera, revolver os seus arcanos angustiadamente e modificar o seu olhar sobre o próprio corpo.

O livro do Génesis narra o primeiro acontecimento físico da Queda, a expulsão do Jardim: “E, expulso o homem”(Gn 3,24)

O que tal expulsão significou, não esteve apenas no campo de uma deslocalização de um sítio para outro, de dentro para fora do lugar edénico; a expulsão do jardim foi a circunstância /o aspecto visível de um desligamento da Comunhão íntima com o Criador, operado no momento dito da Queda, quando Adão (o Homem) sucumbiu à tentação e se tornou desobediente a Deus. Antes da expulsão física, houve a espiritual e depois a existencial, se quisermos, e ainda a social, para aplicarmos termos que hoje nos são comuns.

Muito e incontável tempo depois, em pleno início da Igreja, Paulo de Tarso escreve que “todos pecaram e estavam destituídos da glória de Deus”(Rm 3,23)

Outra queda
Em vão procuramos nas Concordâncias clássicas e antigas, como a Cruden's ou a Concordances Verbales de Louis Segond, a palavra Queda para exprimir a passagem de Adão da inocência ao pecado. Não parece que disponhamos desse vocábulo para sublinhar a narrativa do Génesis.
O NT, apenas como um exemplo, quando refere “queda”, entre outras acepções usa este termo em relação a Israel (Rm 11:11). E por aí, expressões com os sentidos verbal e substantivo.
O termo “Queda” do homem é de uso da teologia e muito tardio já. Pertence, contudo, à história da salvação, não pode haver soteriologia séria que o não inclua. Pertence à pregação (ao querigma) mais do que à arqueologia dos termos bíblicos relativos ao Pecado original.
Assim surge desde as origens da linguagem grega ou hebraica como apostasia, rebeldia(rebelar-se), desviar, abandono, separação, etc. e, finalmente, perdição e ruína, no sentido moral e religioso.
Vários teólogos protestantes pós Kierkegaard usaram o termo para exprimir suas ideias, uns que se tratava de um mito narrativo para falar da condição do homem face a Deus, outros um paradigma para falar do “homem fora da vida divina”; Barth chama-lhe mesmo a “queda do homem”. A “queda” é a condição humana, numa palavra, o Pecado.
Seguindo a narrativa de Génesis 3, apercebemo-nos que da chamada queda original resultaram várias outras quedas.

A queda existencial ou psicológica.
Ao contrário do que Kierkegaard entendia, Adão (o homem) não “estava fora” da raça humana antes de desobedecer, de transgredir o limite imposto por Deus. Possuía livre arbítrio e relação espiritual com o Criador bastantes para escolher, não ainda entre o Bem e o Mal, (Gn 2, 16-17), mas entre ser ou não fiel ao Seu Amigo, com o qual se encontraria todas as tardes ( Gn 3,8), que lhe levou os animais e as aves para “ver como (Adão/o homem) lhes chamaria” (Gn 2,19).
Com efeito, Adão era -como sabemos pelas Escrituras Sagradas- o primeiro Homem da raça humana. Adão era um indivíduo concreto. A sua relação com toda a Criação era essencial, advinha da sua essência de homem criado à imagem de Deus, a sua existência não era simbólica. Essa existência de harmoniosa relação com o Criador foi destruída, Adão passou a viver entregue a si próprio, agora sabia o Bem e o Mal. A sua liberdade estruturar-se-ia a partir daí entre estas duas categorias.
Na sua busca incessante de um existencialismo cristão, Kierkegaard definiu a universalidade da Queda, agora com absoluta razão ao escrever: “a queda de Adão desenha a queda de todo o homem”

Queda social
Com a Queda, a realidade social de Adão alterou-se radicalmente. Usando linguagem contemporânea, diríamos que a função social de Adão foi guardar e cultivar o Éden. Função adequada à coroa da Criação divina, trabalho dignificador, promoção social que Deus conferiu para o homem participar na manutenção da criação. O que se poderia chamar teologia do trabalho, a partir do livro do Génesis, radica nessa acção primordial de que Adão foi incumbido.
A instituição do trabalho, não como contribuição redentora, nem como castigo, mas como facto participativo da Criação, não deixou de sofrer o estigma do Pecado, da desarmonia que este introduziu na humanidade. Uma teologia do trabalho não parte de outro ponto. Deste ponto de vista, apreciando na narrativa genesíaca a voz divina, entendemos que da alegria, do gozo do trabalho, Adão caiu para a obrigatoriedade do mesmo. Foi o que Deus lhe quis dizer, nestas palavras divinas: “ maldita é a terra por tua casa: em fadiga obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos (…) No suor do rosto comerás o tu pão” (Gn3, 17-19).
Foi uma queda social que acompanhou toda a desarmonia da própria natureza. A acompanhar esta queda, esta nova situação do primeiro homem, esteve outra que lhe marcou doravante o seu novo lugar: fora do Jardim. A expulsão do Edén foi, indubitavelmente, uma tremenda queda social; Adão do Paraíso foi relegado para o Mundo.
“E expulso o homem colocou querubins ao oriente do jardim do Éden”.(Gn. 3, 24)

Ainda assim, a misericórdia divina colocou Adão no caminho de viver, se bem com a morte dentro de si. A vida e a morte, o bem e o mal, o espírito e a carne, como estruturantes da nossa humanidade.

Friday, July 15, 2011

Passagem por Samaria

!Y nadie sospechaba com qué temblor de urgencia
buscaba ella en la gente un resto de ternura!...
Andrés Quintanilla Buey



Diziam que ia ao poço
escondida sob o cântaro
que perdera já o olhar
varrendo o chão
a mulher samaritana
via apenas sombras
na água que do poço recolhia
ninguém suspeitava
que enchia de lágrimas o cântaro


Há quem diga que pecava
por um gesto de ternura
quando a rosa do sol incandescia
e trespassada de silêncio
se escondia, diziam
da mulher samaritana tanta coisa
ia ao poço para beber
da água repetida, na quietude frágil
da água, a sua vida.

Friday, June 24, 2011

Poucas vezes a fome terá tido

Poucas vezes a fome terá tido
tanta altivez
como nos caixotes do lixo, com a cabeça
triste, levantada, a procurar
poucas vezes o homem terá sido
tão ignorado
pelo homem como quando lança as mãos
como uma rede
para apanhar o seu quinhão de ar
Estar escondido atrás da claridade
das cortinas da janela
e ver essa altiva pobreza, poucas vezes
terei tido nos meus olhos
a beleza dolorida de ser homem.

24/6/2011



Saturday, June 11, 2011

Salmo

Oh Como é boa a suavidade dos girassóis
que se unem uns aos outros
a olhar para o sol, nenhum quer mais
sol que o outro irmão
e sabem que o vento raramente
lhes inclina as vestes para o chão
porque se amparam como se fossem
uma parede
verde com desenhos amarelos
de criança para sempre.

11/6/2011

Wednesday, June 08, 2011

Suicídio na Greenwich Village

Um poema de Gregory Corso

Braços estendidos
mãos espalmadas contra o parapeito da janela
ela olha para baixo
pensa em Bartok, Van Gogh
e nas caricaturas do New Yorker
ela cai

eles levam-na com um Daily News no seu rosto
e um armazenista joga água quente na calçada

(Tradução de J.T.Parreira)


Thursday, May 26, 2011

O que está por detrás da queda abrupta de DSK?

O que está por detrás da queda abrupta de DSK?

"Dominique Strauss Kahn foi eliminado por ameaçar a elite financeira mundial Dominique Strauss Kahn foi vítima de uma conspiração construída ao mais alto nível por se ter tornado uma ameaça crescente aos grandes grupos financeiros mundiais.

As suas recentes declarações como a necessidade de regular os mercados e as taxas de transacções financeiras, assim como uma distribuição mais equitativa da riqueza, assustaram os que manipulam, especulam e mandam na economia mundial.
Não vale a pena pronunciar-nos sobre a culpa ou inocência pelo crime sexual de que Dominique Strauss Kahn é acusado, os media já o lincharam."

Ler na íntegra Aqui (Via A Ovelha Perdida)

Monday, May 23, 2011

A viúva de Sarepta e Elias


I Reis, 17,12


Vamos cozer este pão
e depois morrer

vamos
carregar este chão
seco
com os nossos corpos, filho
e mãe, vamos comer a terra
que a seca amassou

vamos trazer para dentro
das quatro paredes
estes cavacos, encher os obscuros
buracos da sombra, alumiar a casa
com o lume e depois morrer
entre o vazio e a plenitude.

22/5/2011

Monday, May 16, 2011

Deixa-me semear flores


Deixa-me semear flores
muitas flores
no teu quintal interior
e cenouras
e couves de Bruxelas
à beira do poço
como quem humedece
um coração esquivo
a pedir verde
antes que cardos e bichos
sufoquem as nossas elevadas
intenções


deixa-me abrir-te as cores fortes
da vida que hesita
confusa
entre nós.

7/5/11


Poema de Brissos Lino inédito para este Blog.

Saturday, May 14, 2011

Sozinho no Getsémani

A traição de Cristo. de Caravaggio

“A minha alma está profundamente triste até à morte”
Jesus Cristo



Fiz sozinho as minhas pegadas
até aqui
e o veludo da noite pousando
nas pedras limou as arestas
a minha angústia vertendo gotas
pela minha fronte
meus olhos sozinhos
palmilhando o céu deixaram pegadas
cada anjo alheou-se de mim
na noite a transbordar de estrelas
como um cálice
nesta noite como a água
de sombras de um poço imenso
fiz sozinho as pegadas
da agonia na minha alma até aqui.

14/5/2011

Friday, May 06, 2011

Como se faz um Anjo

Poema inédito de Brissos Lino

como se faz um anjo?
inquiriu a criança
de olho nas asas alvas
da imaginação
feitas de nuvens leves
ou mesmo algodão doce
posso fazer uma nuvem
com asas de anjos?
e depois pintava-a de amarelo
ou de verde
como os teus olhos
mãe.

5/5/11

Tuesday, April 26, 2011

No Dia da Sua Morte


Hoje os cordeiros sentiram calafrios
no leite materno, beberam
os trigos o orvalho do chão
inclinando as espigas
hoje o sol abrandou
o seu ímpeto de fogo
e cedeu
a angústia pesada das pedras
dos sepulcros
hoje neste dia desigual
todas as mães sentiram
estremecer o útero
porque na cruz
uns olhos bordados de doçura
sucumbiam.

25/4/2011

Wednesday, April 06, 2011

Se me tirar os Olhos


Se me tirar os olhos, não ficarei
no entardecer
nem me perderei no caminho
com os meus dedos irei
sob o fogo azul do sol
tocar ainda os rostos que conheço
Se me tirar os olhos
poderei sonhar para dentro
tal como a água terna das lágrimas
começa antes no fundo inominável


Se me tirar os olhos
todas as coisas
serão cores que ouvirei
nos sons que conheço, um neto
afundando a cabeça no meu peito
será uma canção
entre um pássaro e outro pássaro
sentirei o vento do seu voo
e assim o que agora não vejo
em todas as coisas tornar-se-á claro.

6/04/2011

Sunday, March 13, 2011

Um epigrama do Salmo 23 de Hemingway

A poesia de Ernest Hemingway foi recomendada por Ezra Pound. “Ele escreve muito bons versos.” Tem uma linguagem precisa e selecciona com cuidado as suas impressões visuais, resumia o autor de Os Cantos, reservando para o lado do imagismo as imagens de alguns dos poemas de Hemingway.

No Neothomist poem, EH relaciona a partir do título a temática religiosa com o naturalismo, parece inspirar-se na fé de Tomás de Aquino, sobretudo, mais do que na filosofia de Aristóteles. A bem dizer, é uma paráfrase poiética do Salmo 23 perfeitamente cristã, estruturada no conceito da fé sobre o que se não pode ver ainda.

Neste poema de dez versos (ten-line poem), que o autor acabou por reduzir a um epigrama, produziu um eco do Salmo 23, uma paráfrase sintética que resume toda a omnipotência e omnipresença do pastor. Inicialmente os dez versos eram uma imitação do Salmo. Desconexa na sua estrutura poética, no seu enunciado salmódico, colocando lugares e adereços no poema que não correspondem nem canónica nem datadamente ao conteúdo do poema hebraico de David.

Da redução do poema a duas linhas apenas, não se encontra nenhuma explicação. Apenas gravura do poema dactilografado por inteiro e depois já o epigrama publicado em The Exile, uma revista literária editada em 1927 por Ezra Pound.

Todavia, o resultado, o epigrama não exibe mordacidade nenhuma. Nem se vislumbra resquícios de crítica.
Contudo, anotações marginais ao poema vêm esclarecer que o que parece ser uma referência ao Tomismo, pode bem não ser. Ainda que lateralmente Hemingway tenha desejado sublinhar alguma coisa a ver com a religião, ao que parece.

A verdade é que o autor de “Por quem os sinos dobram”quer significar com este título a conversão à Igreja de alguns dos seus amigos como Jean Cocteau e, sobretudo, Thomas Sterns Eliot (T.S.Eliot), de onde o “Thom” pode bem ser a sugestão.

NEOTHOMIST POEM
The Lord is my shepherd
I shall not want his for long
he maketh me to lie down in green pastures
and there are no green pastures
he leadeth me beside still waters
and still waters run deep
the wind blows and the bark of the trees is wet from the rain
the leaves fall and the trees are bare in the wind
leaves float on the still waters
there are wet dead leaves in the basin of the fountain

POEMA NEO-TOMISTA
O Senhor é o meu pastor, nada
me faltará por muito tempo
ele me faz repousar em pastos verdejantese não há pastos verdesguia-me mansamente a águas tranqüilase ainda correm águas profundas
….
o vento sopra e a casca das árvores está molhada da chuvaas folhas caem e as árvores estão nuas ao ventofolhas flutuam sobre as águas calmashá folhas mortas molhadas na bacia da fonte

POEMA NEO-TOMISTA
O Senhor é o meu pastor, nada
me faltará por muito tempo.

(Tradução de poemas de J.T.Parreira)

Tuesday, February 08, 2011

Lição poética de podologia:


Nem sempre os pés desistem

Nem sempre os pés desistem de caminhar
para ficar de frente aos outros
a convergir
nem sempre param
para escutar dores e estórias
de outros andarilhos da vida
e aventura
esquecem-se muito de partilhar a jornada
deixam escapar as alegrias
da comunhão
mas acabam por concluir que o chão
que pisam homens e cavalos
é duro para todos.

2/2/11

Brissos Lino


Monday, January 24, 2011

Noli Me Tangere


Não me toques
que o meu corpo é agora inconsumível
nem o beijo dos anjos tocará meu rosto
deixa a tua mão
na fronteira do amor que se desprende
do meu corpo, a minha carne
agora é um cristal.
5/11/2010

Thursday, January 13, 2011

Sei

Sei que Deus sentado
apascenta os nossos sonhos
e nos toca no ouvido
quando o abismo se aproxima
do nosso chão
o pesadelo
e acordamos
Sei que Deus toca
nos nossos cabelos
põe a sua mão por baixo
e tira as nuvens do caminho
dos pássaros.


13/1/2011

Friday, January 07, 2011

Demagogias dos que nem demagogos sabem ser

«A chamada tarifa social sobre a electricidade, supostamente para dar algum apoio às famílias carenciadas foi a montanha que pariu um rato.
A DECO estima que o desconto andará entre 60 a 80 cêntimos por mês, já que incide não sobre o consumo mas sobre a potência contratada, pelo que considera que não se trata de nenhuma tarifa social. A Segurança Social começou esta semana a enviar o comprovativo para as famílias carenciadas pedirem a tarifa social de electricidade.»

Continuar a ler Aqui, oportuna intervenção cívica do dr. Brissos Lino, no jornal Setubalense.

Saturday, January 01, 2011

O meu Salmo 121

Tenho tido os meus montes
e à sua volta anéis
de nuvens, circulando
com átomos tristes de água

os meus olhos procurariam
nada, um mergulho no escuro
mas um pé em falso
romperia a ténue película
que me sustém a vida

Nos meus montes peço socorro
de onde virá a mina de oiro
a fonte dos cristais
da pura água

mas um salto no escuro
e seria o fim

O meu socorro vem do Senhor
que fez de céu e de terra
esta distância
que trazem os meus olhos.

31/12/2010