Artigo de João Pedro Martins, em A Ovelha Perdida
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Hoje, no FACEBOOK
Saramago é um anarquista de Deus - há Deus? Então eu sou contra.
E desenvolveu um novo ateísmo- «Deus não pode existir, não existe mesmo, mas é uma «pessoa que não é de fiar», é «vingativo», etc.
Afinal trocou-se a não existência de Deus pelos juízos éticos e morais sobre o Deus que existe. É melhor ser ateu, apenas.
2 comments:
Disse no FaceBook que Saramago pensador é intelectualmente desonesto, por só querer ver uma parte da Bíblia, que é uma biblioteca plural. E por nada dizer sobre os crimes do ateísmo.
Outros, mesmo agnósticos, o consideram desonesto intelectualmente (ver http://umzeroaesquerda.wordpress.com/2009/10/20/o-mau-costume-de-se-falar-do-que-nao-se-sabe/).
E por outro lado, Saramago revela uma angústia, que pode ser a angústia existencial do marxista-leninista que afinal tem uma alma que sente e pensa, que há muito mais do que a luta de classes. E também a angústia, o clamor desesperado existencial tout court de um homem, qualquer que seja a sua ideologia.
O inteligente teólogo Anselmo Borges diz que é verdade que na Bíblia há "um apelo à violência, à crueldade e por vezes surge um Deus cruel, mesquinho e ridículo." Mas que a Bíblia tem que ser lida como um todo e o todo é a salvação.
Eu acredito num Deus infinitamente amoroso, ainda que tenha ira, e por isso não diria como Anselmo Borges que "Deus surge" assim, com essa face hedionda. Falamos do AT. O "mundo" assusta-se e acha este Deus execrável, mas sente-se atraído pelo suposto Deus diverso porreiro do NT. Curiosamente o Deus da Bíblia de que Nietzsche ainda gostava era o do AT, detestando o do NT, "Deus de escravos"). Creio que são um e o mesmo Deus do Génesis a Apocalipse, e no AT também há misericórdia, compaixão, favor. Acredito num Deus absolutamente sem falhas, por isso não mesquinho, ainda que não entenda algumas coisas, actos e decisões Suas. Se lhe atribuo defeitos humanos então é igual aos deuses das mitologias, que se converteram com o tempo em motivo de ficção literária.
A não ser que este "surge" da afirmação de Anselmo Borges se entenda como hipótese interpretativa, como fenómeno que salta aos olhos do exegeta e que inquieta este. Francisco José Viegas disse na apresentação da Bíblia diz que esta lhe suscita questões e inquietações, mais do que respostas, e que nela se perde. Sendo este o caminho do leitor. A não ser que se entenda este "surgir" de mesquinhez e ridículo como um olhar, sendo que o olhar filtra a realidade. O Deus revelado da Bíblia revela-se através de homens, da sua linguagem, circunstâncias, experiências. Os homens que a escreveram são os mediadores. E mais uma vez o exegeta é convocado ao trabalho. E a ler a Bíblia como um todo.
O que diz Saramago não é original. Muitos, até nós mesmos, os que cremos na Bíblia como Palavra inspirada de Deus e nesse Deus como o verdadeiro e único, quantas vezes não nos colocámos já as mesmas questões? Não será este um Deus cruel? Um Deus tribal, ciumento, emocionalmente instável? Ou uma invenção humana? Conseguimos vencer a contradição que nos range os dentes para nós, de ter tantos Deuses na mesma Bíblia? Donde as velhas pertinentes questões e objecções levantadas incessantemente contra a fé neste Deus: porque permite o mal? Porque ordenava genocídios aos Israelitas? Porque abriu a terra para fazer engolir vivos milhares de opositores de Moisés? Porque exigiu de Abraão o sacrifício do seu filho?
Por isto, o episódio mediático Saramago é também uma oportunidade para nós de repensarmos e refundamentarmos a nossa fé neste Deus. Uma oportunidade de desenvolver um "culto racional", como escreveu Paulo (Aos Romanos 12:1), esclarecido, que reconheça que há perguntas legítimas, que nós próprios não entendemos tudo. Mas que, principalmente, conhecemos esse Deus como Pai e Senhor; e que com humildade, temor e tremor buscamos respostas, razões para ter esperança e que podemos dar e partilhar essa esperança (1 Pedro 3:15) ao nosso redor. Uma oportunidade para voltarmos, nós próprios, ao ponto de partida: à piscina da Bíblia.
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