Saturday, October 31, 2009

África

Sem sapatos, os pés na terra
descalça, sem camisa
sem a negrura
dos problemas da alma

Com o coração forte
como a corrida do antílope
com uma casa de vento
capim e barro

Sentada à porta fumando
a fogueira foge
para o rotundo silêncio
no seu mover lento

Aos seus pés insectos mortos
descem até ser pó
e a atmosfera cheira
mudando de lugar

e nas tuas mãos
a terra gretada, os teus dedos
adormecem os cabelos
dos teus filhos.

24/10/2009

Wednesday, October 28, 2009

Socalcos da memória

Foram-se os anos
e o vigor da juventude.
As encostas transportam as marcas
que o tempo cavou.
Por entre vincos e socalcos,
surge um lampejar enevoado.
Cerram-se as portas atrás das sebes.
Tenta-se olvidar a ausência de quem parte,
sem chorar de abandono.
Abrem-se as janelas da memória,
entram as alegrias de outrora,
e a solidão relê, uma e outra vez,
a mesma história.

Florbela Ribeiro

Saturday, October 24, 2009

Ecce Poiema




"Mas como não acreditaste no que te disse, vais ficar mudo, sem poder falar, até ao dia em que isso acontecer, pois tudo se realizará no tempo devido.”

Evangelho de Lucas 1:20 (versão A Bíblia para todos, p. 2'44)

Para mãos que trabalham
sem uma língua treinada
o silêncio pode ser de ouro
ou de chumbo maciço

Porém, esse silêncio ainda fala
ainda está cheio de poemas, cânticos
confessa apreensões ou revela sonhos
da dentro da linfa, das cavidades do osso

Voz que duvida, que fala do que não sabe
que com as mãos se queda a queimar incenso
a vigiar que a chama da menorah perene arda
a oferecer os pães

que escreve febril o que o silêncio apenas sussurr
ao que a voz na laringe emudece

Que te diz e conta, Zacarias, a voz que te secou?
Voz que guarda e
burila a sabedoria
que decanta os segredos
confiados pelo anjo do Senhor
esculpidos no ventre da tua mulher
afinados em outra voz, a que clamará no deserto

Mas quanto melhor
não é,
como numa salva de prata uma maçã de ouro servida
é a voz irrompendo
finalmente instruída e madura
que fala
e canta os altos louvores do Senhor!

22/10/09

Poema de Rui Miguel Duarte

Thursday, October 22, 2009

A piscina de Saramago

«Saramago ao inaugurar a sua nova piscina literária baptizando-a de Caim, anunciou aos nadadores um oceano infinito chamado Bíblia. E ninguém vai querer um patinho de borracha ou uma bóia numa piscina com cloro quando pode pescar e mergulhar num oceano de águas profundas.»

Artigo de João Pedro Martins, em
A Ovelha Perdida

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Hoje, no FACEBOOK

Saramago é um anarquista de Deus - há Deus? Então eu sou contra.
E desenvolveu um novo ateísmo- «Deus não pode existir, não existe mesmo, mas é uma «pessoa que não é de fiar», é «vingativo», etc.
Afinal trocou-se a não existência de Deus pelos juízos éticos e morais sobre o Deus que existe. É melhor ser ateu, apenas.

Wednesday, October 21, 2009

O Muro


Inédito do poeta, meu amigo e companheiro, Brissos Lino:

É o que resta da glória de antanho
pedras sobreviventes
que repousam sobre ricas memórias
salomónicas
que se deixam fecundar por bilhetinhos
de orações a Iavé
que se sentem tão importantes
que os homens se curvam
perante elas
compassadamente
pedras intocadas que resguardam
a tua história, ó Jerusalém
e esperam, tranquilas
o futuro dos profetas.
O muro do Templo
é feito de lágrimas amargas
e esperança de restauração.
19/10/09

Monday, October 19, 2009

O anti-Caim da última Literatura Portuguesa


«Caim interessa-me há muitos muitos anos, é uma coisa que foi crescendo e que, de repente, já não consegui suster, tive que começar a escrever", disse José Saramago.
Escrever em apenas quatro meses 181 páginas de algo que contribuiu para a desarmonia da Humanidade, que leva um remoto tempo inefável a digerir pelos seres humanos, ainda por cima em tom jocoso e irónico, pode ser um bom exercício literário, mas é pouco sério eticamente. Sobretudo se se diz no próprio livro que a história a re-contar é «um atrevimento».

No entanto, quando editorialmente acontece o lançamento de um livro de Saramago, o país e o mundo das letras rejubilam como se se tratasse do último romance da literatura portuguesa. Nada mais parece existir para lá da nebulosa Saramago.

E quando este exprime opiniões sobre o seu Grande problema, os diários trazem à primeira página títulos enormes: «o Novo Saramago põe Deus como autor moral de um crime»(DN). E o próprio autor revela a raiz do seu problema:
«Hay quien me niega el derecho de hablar de Dios, porque no creo. Y yo digo que tengo todo el derecho del mundo. Quiero hablar de Dios porque es un problema que afecta a toda la humanidad».- afirmou o escritor ao El País.

Escreveu um dos meus amigos no Facebook (o maestro Pedro Duarte), entre outros comentaristas, que «Saramago acredita em deus, sim. Ele é deus. Logo Deus não pode fazer parte do mundo de deus. Saramago tenta criar um mundo seu e nessa 'missão' sente necessidade de reinterpretar a realidade à luz do seu mundo tenebroso.»

O prof.dr.Jónatas Machado, também naquela rede social, opinou: «Para quem não acredita em Deus, Saramago sente-se muito incomodado por Ele. Ao negar Deus, Saramago nega a existência de um critério objectivo de justiça. No entanto, ele pretende deter um critério objectivo de justiça com base no qual se arroga julgar e condenar Deus.»

É a partir desse seu mundo fechado e «justiceiro», no sentido da justiça popular, que o autor pretende julgar Deus, com um critério objectivo de pretenso ajuste de contas. Nesse mundo que o escritor inventou, que é o locus da sua última obra- o jardim do Edén, uma caverna no deserto após a expulsão da família adâmica- , pretende aí reinterpretar não os actos divinos, mas o que ele afirma serem os seus efeitos.
Assim, temos um Caim que é, no entender e na expressão saramaguiana, um «efeito» de Deus. Um «erro» moral.

Os primeiros parágrafos do livro conduzem-nos diante de um deus irado, errático na sua obra, que é responsável por tudo quanto vem a seguir, no entendimento do autor.

« Quando o senhor, também conhecido como deus, se apercebeu de que a adão e eva, perfeitos em tudo o que apresentavam à vista, não lhes saía uma palavra da boca nem emitiam ao menos um simples som primário que fosse, teve de ficar irritado consigo mesmo, uma vez que não havia mais ninguém no jardim do éden a quem pudesse responsabilizar pela gravíssima falta, quando os outros animais, produtos, todos eles, tal como os dois humanos, do faça-se divino, uns por meio de rugidos e mugidos, outros por roncos, chilreios, assobios e cacarejos, desfrutavam já de voz própria. Num acesso de ira, surpreendente em quem tudo poderia ter solucionado com outro rápido fiat, correu para o casal e, um após outro, sem contemplações, sem meias-medidas, enfiou-lhes a língua pela garganta abaixo» (primeiros parágrafos do romance)

Ao iniciar a leitura de ficção, romance , novela ou conto, com objectivo crítico-literário, gosto de parar no primeiro parágrafo, aí pode-se ou não definir o curso do rio onde fluirá o enredo e a intriga e como se manifesta, no sentido de uma epifania, a personagem ao mundo.
Dou um exemplo de leitura recente, Philip Roth em «A Conspiração contra a América»;o autor começa com a chegada à Casa Branca do presidente eleito em 1940, o aviador Charles Lindeberg, e inicia uma metáfora sobre o anti-semitismo; como se vê, é uma metáfora e uma ficção da memória, uma falsa memória.

No romance «Caim», José Saramago inicia também a sua obra ficcional com uma falsa memória, começa com um preconceito que passa a falsidade e vai por aí fora de deturpação em deturpação.

A mão de Saramago sobre o texto bíblico é como a mão talibã sobre a arte dos budas de pedra.

A «lógica impecável» que o autor atribui ao desenvolvimento da sua proposta, o humor pela segunda vez usado (a primeira na Viagem do Elefante) e a alegada profundidade da história que se propõe recontar – disse-o ao suplemento Babelia do El Pais –, não se objectiva apenas por razões de estética ou criação literária, sobretudo o que pretende Saramago, é afirmar que o Caim bíblico faz parte de uma «história mal contada».

E, assim, o escritor de Lanzarote quer «repôr» o que se terá passado. «Abel e Caim, desde a mais tenra idade pareciam os melhores amigos», foi o alcance do «fumo» dos holocaustos que começou por ditar a discórdia. O de Abel subia ao infinito, o do irmão não passava do solo. Abel provocava o irmão com esse facto, o que terá levado Caim à ira.
Os valores éticos de Saramago invertem-se sempre, os bons passam a maus, estes são vítimas das circunstâncias; para o escritor «o erro divino».

Esse evento da primeira morte, segundo a teogonia antropológica do autor tornará Deus culpado do sangue de Abel. É a perfeita idiotice da inversão de valores. É a não lograda destruição da Ética divina. É a mais descabida proposta, requentada e pseudo-filosófica, de Deus como autor do Mal.

De uma forma mais simples, trata-se da introdução na obra ficcional daquilo que o escritor insiste em chamar desde o ano 2001 o «factor Deus», que afecta a humanidade.

No que concerne ao Catolicismo ofendido, nome geral com que o autor quer tocar no Cristianismo e na Bíblia, tudo é mal contado, daí ter proposto em 1992 uma absurda figuração de um Messias humano no controverso romance «O Evangelho Segundo Jesus Cristo». Quis humanizar Jesus Cristo, agora quer «humanizar» Caim.

Caim leva-nos biblicamente à teologia da necessiadade de adoração correcta a Deus, do perigo da aproximação do homem de Deus de modo incorrecto, sem a remissão pelo sangue expiador, leva-nos aos resultados do pecado, da Queda, da Morte que começou a ter o braço executor no ser humano.

Caim é ser humano, logo não há, neste contexto, que o humanizar. Será, no entanto, querer ser compreensivo para com o seu acto fratricida? Bondade saramaguiana.

No que concerne à morte, que acaba por ser protagonista ou um deus ex-machina no romance, o autor atribui-lhe a ela a invenção de Deus. «Sinceramente creio que a morte é a inventora de Deus».diz o escritor, para falar dos objectivos da religião.

Com certeza ciente da gravidade das suas proposições em forma literária, Saramago chama ao que escreveu «as minhas fantasias». Estas são levadas ao paroxismo central do romance, do meu ponto de vista. O assassinato de Abel.

A morte de Abel tem uma atenuante justificação, é o crime contra a pessoa errada. Percebe-se logo entre as págs. 35-38. A grande questão que o pretenso ateísmo do escritor quer colocar é, sobretudo, a frase do diálogo central entre deus e Caim. Este diz que «matou Abel por não poder matar deus». Está tudo dito. Embora o livro termine com a incontornável discussão deste tema sempre em aberto.

Sunday, October 18, 2009

Ferida, poema de Rui Miguel Duarte

“Espera-O uma coroa de espinhos
para secar o sangue sobre a fronte, espera-o
a fome de um chicote
que as costas lhe há-de devorar”

J. T. Parreira, “No Jardim do Gêtsemani”


A fome batia uma litania
vai e vem sobre o dorso como tambor
O látego batia em sintonia
com a contagem ritmada
da voz do decurião
uma, duas, três, até quarenta
e com os gritos
de dor do condenado

E latejava as nossas cabeças
dentro de cada dentada das fauces
do chicote estampido vai e vem

Acirrámos os dentes
em aprovação do castigo
e dos gritos do condenado
as costas devoradas
as gotas de sangue salientes
eram o nosso prazer e satírico canto

Mas não deixávamos de pensar
que a obra do carrasco
devia ficar na discrição
recôndita duma caserna romana
longe da vista e do coração
e ensaiámos apartar o olhar
desviá-lo do esbatimento do seu rosto
em busca da geometria da dança
de um bando de pássaros que por ali voasse
ou admirar as coríntias colunatas do pátio
onde decorria o evento

Mais tarde esperava-o uma coroa
sobre a cabeça de espinhos
para o sangue na fronte lhe secar

E escorria das nossas cabeças

E depois ainda
esperava-o ser fixado na cruz
poucos de nós ficaram para ver
preferimos meter-nos pelas cruzes das ruas
pés apressados para o recolhimento e a piedade
pois esperava-nos a Peschah em casa
ao lume do assado do cordeiro,
o único a quem hoje se devia secar o sangue

Mas o vai e vem do flagelo batia em nós
e a voz de comando do decurião e os gritos de dor
o sangue porfiava em correr de nós
como mulheres nos dias da impureza
os panos não o estancavam
banhámo-nos mas a água
solidária tingia-se de escarlate

O chicote a coroa a voz do decurião e o sangue éramos nós
o que tínhamos nós com esse contumaz blasfemo
de rosto deformado condenado?

Caímos no chão

Éramos nós os condenados
de costas devoradas e frontes sangradas
à beira do vale onde a morte se dissimula de sombra

Por fim acordámos

Esse sangue
penetrava-nos até ao coração
e corria agora neles
lavados

17/10/09

Rui Miguel Duarte

Friday, October 16, 2009

A «bíblia» Dake


Não terá por sido por ignorância doutrinária que a CPAD editou e divulga esta «bíblia» herética, dando assim indirectamente respaldo a, pelo menos, uma doutrina : a da Prosperidade, a do chamado «toque de Midas» e outras aberrações teológicas. Sendo talvez a maior, a imagem descrita pelo comentador acerca de Deus.

Exempli gratia: «Ele tem um corpo espiritual pessoal; forma; forma; imagem e semelhança de um homem. Ele tem partes do corpo, tais como, peças de volta, coração, mãos e dedos, boca, lábios e língua, pés, olhos, orelhas, cabelo, cabeça , cara, braços, quadris e outras partes do corpo.» Anotado (Dake de Referência Bíblia, Finis Jennings Dake, publicado pela Dake Bible Sales, Inc., Atlanta, Geórgia, Novo Testamento, pp. 96-97).

Faça-se, porém, a justiça de dizer que circula um texto a divulgar a posição dos editores, o seguinte:
«Assim, de acordo com o Pr. Silas Daniel, editor chefe da Casa, a CPAD se comprometeu em publica-la na seguinte condição: liberdade editorial de supressão de desvios e ideais contraditórios com a doutrina e teologia adotada pelas ADs no Brasil. Autorizados a fazer a supressão dos desvios de Dake pelos editores que detêm os direitos de publicação, foi mantido os principais recursos, notas e estudos que estejam em harmonia com a ortodoxia bíblica, doutrinária e teologica. De acordo com o Pr. Silas Daniel “...os erros doutrinários já eram conhecidos e foram devidamente retirados. "

Se eram conhecidos os erros, por que razão a BD foi editada e divulgada ao mais alto nível?

Thursday, October 15, 2009

A imortalidade do Nada

A breve imortalidade do Nada em Álvaro de Campos, breve texto suscitado por Ed René Kivitz

Aqui no AB-INTEGRO

Tuesday, October 13, 2009

O Prado

Os nossos olhos dão o alarme
seria útil ter no bolso
a quarta dimensão
para ouvir tudo o que dizem
através dos séculos
as estátuas e os quadros

as Meninas fechadas
por Velázquez, em vão
esperamos a forquilha
do vento na carroça de feno
de Hieronymus

alheios a nós próprios
isso passa reflectido nos espelhos
e enterramo-nos no Museu
até à sonolência
que desce às nossas pernas.

Friday, October 09, 2009

Re-edição de O Homem Que Ninguém Via

Os analistas políticos no que concerne à eleição de Barack Obama não puderam sair da tautologia. Os seus textos, desde o primeiro dia (4 de Novembro), entre o The Washington Post e a Time, fizeram um arco, um segmento de círculo para depois o completar, voltando depois ao inevitável: «Obama Makes History».
De facto, desde a eleição de JFK, em 1960, que a narrativa das eleições presidenciais nos Estados Unidos não construia um arco do triunfo de um homem e suas ideias. Sublinhe-se, esse homem é o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.
Em Outubro de 2006, a mesma revista Time colocava a questão quase numa necessidade de mudança, e afirmava como matéria de capa «Por que Barack Obama Pode Ser o Próximo Presidente». E aconteceu.
O paradigma mudou. O sinal transformador desta eleição, que corre o risco de ser racial, trancendeu a própria raça.

À primeira vista parece que agora a face da nova América é negra, mas teremos que aprender, de uma vez por todas, que se assim fosse, continuaríamos a laborar no racismo.
E o sinal que todos desejamos seja transformador, de facto, é que a vitória de Obama, a sua eleição e tomada de posse este mês, anuncie uma nova geração de líderes e uma América que esteja a tomar uma nova forma- segundo asseveram os analistas políticos, tendo em conta sobretudo a crise na economia mundial.

Contudo, não se pode esconder que existiu uma mudança filosófica, que foi muito conduzida também pelo coração, isto é, pelo sonho.
O sonho de Martin Luther King completou-se mais cedo que muitos imaginaram - escreveu um dos articulistas do semanário Time. Para relatar o testemunho de um cidadão-votante, de Kansas City, que relembrou a história dos negros norte-americanos, ainda da segunda metade do século XX:
-«Eu andava no autocarro quando os negros tinham que se sentar nos bancos de trás; bebi água de fontenários onde estava escrito: para gente de cor; você não podia comer em restaurantes, se fosse negro; tinha de adquirir as suas refeições num saco castanho através da porta das traseiras.»
É o caso em que o sonho contribuiu para a História, onde a poesia tem a sua quota parte. O poeta negro Langston Hughes escreveu, há alguns anos:
«Oh sim, / Eu que o diga com clareza, / a América nunca foi América para mim, / e, não obstante, prometo sob juramento- / A América vai ser!»(Trad.JTP) (1)
A magnitude da vitória do presidente Obama contribui para a história como para «um dia de transfomação», esta é a frase que o diário The Washington Post utiliza em subtítulo, para depois escrever em pequena paragona que «A História da América abre caminho para o futuro». E o passado?

Simão, de Cirene
Sem recurso a pseudo-antropologias para justificar o modo como desde os tempos da escravatura os negros foram tratados, por razões mais economicistas do que teológicas a partir de hermenêuticas enviezadas da maldição noética sobre o filho Cão, poderemos apreciar um simples acontecimento do dia da crucificação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Relatam os Evangelhos sinópticos (2) que os soldados romanos obrigaram um certo homem de Cirene (na actual Líbia) a carregar a cruz , um peregrino-prosélito, um judeu da sinagoga de Cirene de Jerusalém ? Fosse o que fosse, era sem dúvida um homem africano.
Diante da multidão que seguia a dramática pompa do caminho dos condenados à crucificação, os responsáveis romanos do cortejo, humanitariamente foram obrigar um colored. Um homem que a sociedade judaica da altura e os conceitos sociais aferidores e dominantes daqueles dias gostariam de manter invisível. Mas os evangelistas o eternizaram, por razões que estão para lá da circunstância legal da prestação obrigatória de um serviço.

O Homem que ninguém via
A pigmentação, os traços, a discriminação racial, tornavam os negros da América invisíveis. As dificuldades sociais do negro resultavam daí e são o fundo de um célebre romance, alegadamente sociológico, da década de 50. O mesmo não quis, porém, ser mais do que uma viagem sobre a condição humana, retratada em quanto viu e sentiu, na pele, um jovem negro a viajar pelos estados sulistas nos recuados anos 20. Escrito por Ralph Ellison, conheceu a fama literária até na nossa língua sob outro título: O Homem Invisível. (3)
A personagem afirma, auto-biograficamente, a razão por que era assim: «Sou um homem verdadeiro, de carne e osso, de músculos e de sangue - Sou invisível apenas porque, compreenda-se, os outros se recusam a ver-me.»
A busca da identidade baseava-se na doutrinação do homem negro para aceitar os valores da sociedade branca. Mas afinal a cor da pele foi apenas um pretexto
para falar de algo que é sempre contemporâneo, o lugar do homem, de cada classe social e tipo racial que o incorpora na sociedade.

Milagres em negro
No romance de Ellison há uma passagem de um despejo no Harlem, um casal de velhos vê-se espoliado das suas coisas e casa por uma execução hipotecária. «Para onde vamos agora, sem um vaso»- perguntavam. Ainda quiseram estar na sala vazia, com a Bíblia na mão e, no soalho nu, «quinze minutos com Jesus». «Que nos diz a isto, senhor representante da lei? Temos ou não direito aos nossos quinze minutos com Jesus? Têm o mundo na mão, e nós? Não temos direito ao nosso Jesus?» (4)
Esta deveria ser a questão que havia de cruzar toda a sociedade. Para Deus não há homens invisíveis. A sociedade pode recusar ver-nos, por qualquer razão social ou racial, mas Jesus Cristo não se recusa a olhar para nós.

Não foi só à procura de homens e mulheres, mas também de uma identidade que missionários cristãos e evangélicos chegaram a África no fim do Século XIX e nos alvores do século passado.
Um livro precioso, editado em 1938, «Miracles in Black», de John C.Wengatz (5), trata dessa realidade, de dar visibilidade ao homem negro diante de Deus, através do Evangelho. Desde a mata tropical às ruas do Harlem.
Verificamos que o profundo significado espiritual dos contactos virgens com as tribos africanas para a proclamação do Evangelho não se fizeram em casas de desenho arquitectónico tradicional nem sequer, por vezes, nas cubatas.
No capítulo designado por «Um encontro às 5:30 da manhã», lemos esta descrição: «As pessoas acercaram-se de nós pela madrugada, tremendo de frio sob as rajadas de vento invernal, com os braços cruzados sobre o peito e as suas mãos apertando os ombros, um hábito puramente nativo para se protegerem do frio. Mas, dando as suas costas ao frio do vento uivante, tremendo e batendo os dentes olharam para nós e disseram: “Pastor, diga-nos de novo aquelas boas palavras que nos disse ontem à tarde. Conte-nos acerca do seu Amigo, o Qual nos disse que é nosso Amigo, também. Nós queremos saber acerca dele. Conte-nos mais sobre esse lugar aonde você diz que todas as pessoas boas podem ir. Nós queremos perguntar se o povo branco vai junto com o povo negro para esse lugar?”»(6)
_______________________________________________________
1-Let America Be America
2-Mat 27,32, Mc 15,21, Lc 23,26
3-Ralph Ellison, Casa das Letras,2006
4-Ibidem, Pág.223
5-Missionary Experiences in the Wilds Africa, Fleming H.Revell Company, 1938
6-Ibidem, Pág.54
Publicado na revista Novas de Alegria e no blog Confeitaria Cristã

The 2009 Nobel Peace Prize




Barack Obama
USA
44th President of the United States of America
b. 1961

Thursday, October 08, 2009

Nobel da Literatura: Quem?


Última Hora: O Nobel 2009 foi para a poeta alemã/romena HERTA MÜLLER.
Pela concentração da sua poesia e a franqueza da sua prosa, que retratam a paisagem dos espoliados.


Coming soon on Nobelprize.org:
Announcement of the Nobel Prize in Literature!



Announcement time:Thursday, October 8


01:00 p.m. CET11:00 a.m. GMT



Amos Oz e Philip Roth encabeçam as apostas para o Nobel de Literatura

Wednesday, October 07, 2009

Liturgia: a Luz e as sombras

"A forma religiosamente correcta de cultuar a Deus, simplesmente não existe.
Não é que a liturgia em si mesma seja mais importante do que aquilo em que se crê. Mas pelo menos, é aquilo que se vê...Através dela se deixa transparecer qual é o foco da nossa adoração"
Pág. 45


Aqui em A Ovelha Perdida

"O problema da liturgia (o rito, a ordem do culto) é transdisciplinar. Tem conexões com a cultura, com a sociedade, com a arte, com a História, e com a espiritualidade. Move-se, portanto, na esfera do humano e do divino.Devemos começar por esclarecer que não há uma liturgia bíblica fechada no culto cristão. Apenas estão registados elementos do culto que era praticado na Igreja do primeiro século. Ou seja, sabemos que os serviços religiosos dos cristãos primitivos incluíam cânticos, oração, ensino da Palavra, “o partir do pão”, e a contribuição financeira (Mateus 26:25; Actos 2:42; II Coríntios 8 e 9; Efésios 5:19; Colossenses 3:16)."

Sunday, October 04, 2009

História: Poder para conquistar o Mundo


Vastíssimos estudos sobre o derramamento do Espírito Santo no início do Século XX em Topeka, no Kansas, e na Rua Azuza, em Los Angeles, revelam que a plena experiência pentecostal moveu a Igreja no sentido ascencional, deu-lhe latitude e longitude, e levou-a para o movimento missionário. O Pentecostes – escrevia na Primavera de 1995 a “World Pentecost”- «deu poderes para conquistar o mundo».

Dois números situados nos extremos de quase meio século, apenas como simples paradigma, indicam que os crentes pentecostais em todo o mundo eram em 1993, 429,523,000; e que em 1949 apenas eram uns 3,000,000.
Pelo menos é este o número que os autores da reportagem da Grande Convenção Mundial em Paris, nos dias 21 a 29 de Maio de 1949, escreveram nas páginas de «Novas de Alegria» (1)
Com chamada à primeira página, aquela revista publicava uma fotografia a toda a largura (duas colunas) do «grupo de delegados à Grande Conferência de Paris». A peça intitulada «Notas de Viagem» –como era costume à época em NA - começava por informar que essa «grande Convenção estava representada por 33 países das cinco partes do Globo, num total de 157 Delegações oficiais e 360 Delegados observadores que representavam uns 3 milhões de crentes do Movimento Pentecostal.»
Na segunda fila, não obstante a dificuldade visual, julgamos entrever os dois delegados portugueses a esse magno evento, considerado então como «aquele Rio do qual o profeta diz que só se podia atravessar a nado, aleluia!»(2) Tratava-se dos pastores Alfredo Machado e Rogério Pereira.

“NOTAS DE VIAGEM”
A peça de reportagem é hoje a todos os títulos histórica, até pelas referências que faz a algumas das colunas do Movimento Pentecostal mundial.
«Foi importante o estudo do irmão Donald Gee sobre os dons do Espírito Santo, e do irmão Salter(3) sobre a disciplina da igreja, bem como o irmão Perkin(4) sobre o Ministério da mesma. Todos sentimos que Deus nos falava e guiava para o mesmo ponto: a unidade espiritual e mais profunda de todos os crentes pentecostais; bênçãos que desfrutamos já naqueles dias no meio de irmãos de muitas línguas, raças e posições diferentes.»

A memória histórica do Movimento Pentecostal face aos neo-pentecostalismos matizados hoje de várias cores excessivas, convém que seja feita pelas consequências positivas. As suas bases estarão sempre no Cenáculo de Jerusalém, aquando do derramamento do Espírito Santo sobre a Igreja apostólica descrito em Actos 2; mas ao longo da história da Igreja estruturada em Cristo e na Doutrina dos Apóstolos, serão também reconhecidas nas primeiras Convenções Pentecostais consituidas tendo em vista a evangelização, as missões e o poder do Pentecostes na vida dos povos.

Com efeito, a 2ª Conferência realizada em Paris e a 3ª em Londres, três anos depois, vieram acentuar esse pendor missionário e do poder para conquistar o mundo, reafirmando «a visão do mundo perdido e de milhões sentados nas trevas esperando que o Evangelho lhes dê vida»(5).
«A unidade espiritual e mais profunda de todos os crentes pentecostais», apreciada a uma só voz, ainda que no plano pessoal por cada um dos dois delegados portugueses à Conferência em Paris, também o final da conturbada e dramática década de 40 em que tal unidade necessária se sublinhou, foram sem dúvida as raízes e os desafios, e.g. das Assembleias de Deus e doutras Igrejas de origem pentecostal. E logo neste tempo em que a propósito de tudo e de nada se fala muito em mudanças de paradigma. No Pentecostalismo sério, o paradigma começou e estabeleceu-se no início da primeira década dos anos 1900 e manter-se-á assim.
A liberdade para diferentes formas de governo eclesiástico não pôs em causa a unidade.

Todavia não foi sem sobressalto e perante uma Europa sobressaltada que os Congressistas pentecostais se ergueram nesse ano de 1949. No dizer dos pastores-relatores, que assinaram no NA essa peça histórica, «reconhecia-se a gravidade da hora actual e a necessidade de mostrar perante o mundo uma comunhão mais perfeita e uma mais profunda unidade espiritual, o que levou os vários delegados a apresentarem seus pontos de vistas e a ser aprovado pelo Comité um manifesto» de 10 cláusulas e 17 alíneas que, como instrumento de um histórico trabalho, expunha as preocupações e a visão unanime do Movimento Pentecostal àquela época. Com efeito, em síntese, três preocupações: Chamada à consagração e a oração; Chamada à reafirmação da fidelidade a Jesus Cristo, Senhor e Salvador; Chamada à aceitação incondicional da integralidade das Escrituras Sagradas. Do ponto de vista prático e da orgânica das futuras Convenções Mundiais, ressaltou a orientação que ainda é seguida pelos Comités que têm presidido às mesmas até hoje.
UM CLÁSSICO PENTECOSTAL
Por que razão as Igrejas pentecostais crescem? Já se perguntava há cerca de 50 anos, em Paris ou em Londres. Harold Hórton e o seu clássico «The Gifts of the Spirit», de 1934, dava a resposta e ao mesmo tempo desafiava. Com certeza terá desafiado muitos dos delegados à Convenção Pentecostal de 1949, porque ao que parece o seu livro terá circulado em Paris, em tradução francesa.
Repleto da linguagem paulina sobre os dons espirituais, «Les Dons de L’Esprit» -traduzido do inglês pela irmã N.Demole (6) -, é o primeiro comentário completo sobre os capítulos 12,13 e 14 da primeira carta aos Coríntios, segundo o próprio autor.
Esta tradução francesa de 179 páginas, considerada hoje raríssima( a edição é de 1947) no catálogo de alguns alfarrabistas on line, vale muito mais para além do último preço que encontramos( 20,00€), para um «usado». Indubitavelmente, o seu valor ronda os arcanos de toda uma memória histórica.
Do ponto de vista teológico, trata-se de obra de conteúdo que em primeiro lugar desafiou o próprio autor, durante cerca de 40 anos pregador metodista na Inglaterra. Familiarizado com os dogmas e doutrinas do Movimento Pentecostal, abriu de vez o seu coração e a sua visão à pureza-como ele mesmo escreve- dos dons do Espírito. No que concerne ao ensino pedagógico, este livro rendeu cedo a sua valia em escolas e seminários Pentecostais, como livro de texto, ao redor do mundo. E continua a ser um clássico, mundialmente lido.
Ora um exemplar desta obra foi oferecido a um dos delegados portugueses àquela Convenção de 49. O pr. Rogério Ramos Pereira. O livro está na biblioteca do autor destas linhas (seu genro) e tem a particularidade de estar autografado pela tradutora em dedicatória ao «cher Frére Pereira un souvenir da Conference de Paris, Mai 1949, N.Demoule»

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(1)-Novas de Alegria, nº79, Julho de 1949
(2)-Ez 47,5
(3)-James Salter(1890-1972)Pioneiro Pentecostal no Congo Evangelistic Mission
(4)-Noel Perkin, missionário que operou como piloto depois da II GM na Divisão de Missões Estrangeiras das Assembleias de Deus, USA. Um dos chamados Embaixadores de Cristo.
(5)- World Pentecost, Nr.44, Spring 1995, pág.22
(6)- Noémi Demoule, Vevey, Suiça

Friday, October 02, 2009

Call Center / Burocracia espiritual

Resposta:
"Obrigado por chamar os céus! Se é um Apóstolo, digite1; se é um Pastor, digite 2; se é um Líder de um Grupo Caseiro, digite 3...

de Pavablog, via Ab-Integro

Thursday, October 01, 2009

(Os) Codex Ephrem da Pós-Modernidade

Considerando que a Bíblia Sagrada é o Livro mais vendido, 5-6 biliões de cópias, e por conseguinte o mais lido, é natural que seja objecto de multiplas e díspares releituras, mesmo até por crentes e, com certeza, por ateus. E tais releituras são normalmente efectudas a dois níveis: ao teológico e ao antropológico; Deus e o Homem.
Os crentes procuram na Palavra divina o Pai; os ateus, os não-crentes, demandam quase de um modo edipiano contradizê-Lo e mesmo eliminá-Lo.
No século XVIII, sob uma particular visão socialista, Proudhon já relia certamente o apóstolo Paulo, alegando que as suas formas de ideal (quereria dizer doutrina ética e social, moral e espiritual, etc.)eram bem definidas, mas caducas.